Revista Philomatica

sábado, 25 de maio de 2019

A Slow Science Academy e os congressos predatórios nas universidades brasileiras


Na terça-feira desta semana, levantei-me de madrugada e peguei um ônibus para uma viagem de aproximadamente seis horas. Meu destino? Um congresso na capital mineira, Belo Horizonte. Lá chegando, dirigi-me para a sala na qual apresentaria meu trabalho, resultado de meses – para não dizer anos – de leitura, reflexão e escritura. Logo no início dos trabalhos nos informaram (éramos três pesquisadores alocados na sala) que cada um teria no máximo vinte minutos para a apresentação de seu trabalho. O público, em geral exíguo nessas ocasiões, foi informado de que teria dez minutos para perguntas, caso pretendesse fazê-las, porque a sala deveria ser liberada em seguida, sem atrasos na programação, assertiva bastante desmotivadora para qualquer criatura que se atrevesse a fazer uma questão. Não é preciso dizer que o modelo é obsoleto. Alguém se lembra do golpe que políticos, especialmente vereadores, aplicavam – ou aplicam – nas prefeituras, dizendo participar de congressos, para os quais recebiam diárias exorbitantes, mas na verdade saíam a turismo?

Pois bem, no nosso caso, nós pesquisadores, haja vista esse governo desalmado afirmar que nas universidades faz-se muita balbúrdia, não fizemos turismo e não tivemos diárias; alguns, mal recebem algum caraminguá para inteirar o transporte - e devo dizer que pesquisadores cruzam o país para participar de tais congressos, dada a pressão constante que têm sobre as costas para publicar. A publicação, não é preciso dizer, tornou-se o indicador que regula toda a vida acadêmica. Pesquisadores com bolsa produtividade pairam nas alturas e, de lá, lançam seu olhar oblíquo sob seus pares, a despeito de todo o discurso de igualdade.
Não é preciso dizer que, a exemplo dos congressos predatórios e caça-níqueis – sim, caça-níqueis porque a impressão que se tem não é a de que tais congressos fomentem o conhecimento por meio de uma análise conjunta, em que pesquisadores de diferentes lugares compartilhem suas descobertas e reflexões, mas a de que um grupo de pesquisadores-organizadores à caça de menções no Lattes, diga-se, em busca evidente de mostra de produtividade, submetem outros ao pagamento de inscrições para uma reflexão inexistente, para inglês ver – a superprodução de artigos e revistas, no quesito qualidade, tem muito pouco a oferecer.
O produção científica, estima-se, cresce a uma taxa anual de 5% sob a batuta exigente do sistema de avaliação acadêmica. Há casos de professores-pesquisadores que outrora produziram estudos interessantes e hoje, abrigados sob relativa nomeada, publicam artigos e livros bastante medíocres, sem qualquer rigor, às vezes, em um incessante autoplágio, e tudo isso com o objetivo de turbinar seus curricula.
Sei de periódicos nos quais muito do que se publica sequer passa por uma avaliação dos pares. Outro truque muito usado pelo pessoal da academia é o célebre salami slicing, qual seja, produz-se um estudo científico e depois começa-se a fatiá-lo em artigos de dez, doze, quinze páginas. E isto não é comum só nas humanas não, o pessoal que nos olha atravessado, por exemplo, não entendendo porque também nos consideramos cientistas, faz disso prática rotineira. O resultado, não é preciso dizer, é muitas vezes errôneo – e tudo por causa da ânsia da publicação. Tome-se por exemplo os departamentos de literatura, local em que os textos literários sequer são analisados; os clássicos não são mais lidos, faz-se leituras impressionistas de textos pobres (não generalizo, é claro, há muitos autores contemporâneos bastante interessantes) tentando ajustar a causa ao poema - fulana é exaustivamente estudada porque nasceu pobre, fulano porque é gay... e por aí vai.
Como tudo parece ecoar no buraco tupiniquim - os estudos multiculturalistas e pós-colonialistas, por exemplo, apareceram por aqui cerca de três décadas depois de os americanos terem começado a espernear nessa areia movediça -, ninguém ainda fala sobre a Slow Science Academy, iniciativa para desacelerar o ritmo da produção científica que, há quase uma década, começou a ser discutida em Berlim.
Não se trata de barrar o progresso da ciência, o manifesto de Berlim é claro sobre a questão: “Dizemos sim ao fluxo constante de publicações de revistas de revisão por pares e seu impacto, dizemos sim à crescente especialização e diversificação em todas as disciplinas. No entanto, afirmamos que isso não pode ser tudo. A ciência precisa de tempo para pensar. A ciência precisa de tempo para ler e tempo para falhar. A sociedade deve dar aos cientistas o tempo que eles precisam, mas o mais importante, os cientistas devem tomar seu tempo.” Parece-me que ainda não descobrimos a importância de se promover uma pesquisa mais reflexiva e pausada – por isso não culpo os organizadores do congresso supramencionado com suas apresentações the flash. Mas deviam saber!
Por fim, fica uma grande incógnita: em uma época marcada pelo visual, em que plataformas de internet limitam o número de caracteres, alunos universitários são afeitos ao control c control v, a quantidade se sobrepõe à qualidade, como produzir conhecimento sendo que o processo da ciência é lento, constante e metódico?


Publicado originalmente em https://z1portal.com.br/a-slow-science-academy-e-os-congressos-predatorios-nas-universidades-brasileiras/

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