Revista Philomatica

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Desejos mórbidos


O homem é um animal singular e complexo. Preocupa-me bastante o verso bíblico que afirma nossa semelhança com o Altíssimo: éramos, na origem, tão vis quanto somos hoje? À pergunta, minha consciência cristã refuta qualquer afirmativa, caso contrário, nosso Deus seria mais vingativo e cruel do que comumente se mostra. Não me entenda errado, leitor: a crueldade divina é necessária, haja vista sua criação ter extrapolado limites que até mesmo a metafísica imaginou.
O homem é um ser vil, não saber conviver com as diferenças, sejam elas de ordem moral, sejam físicas, e quando digo físicas, não me refiro às comparações entre si, mas às espécies que são obrigadas a dividir o espaço com a pusilanimidade humana.
O homem – não generalizo, falo da grandessíssima maioria (caso em que a redundância cai como uma luva) – tem um dedo infecto, em tudo o que toca, adoece e morre! O homem alimenta um desejo mórbido pela tortura, o extermínio, a morte. Já li sobre pessoas cujo único pensamento é a morte. Fazem dela irmã e companheira. A morbidez, afirmam os especialistas, surge em contraposição ao desejo biológico da vida. Mas, vejam, pensar em morrer, acabar com a própria existência é uma coisa, destruir, exterminar tudo o que está à sua volta por interesse próprio, almejando o vil metal ou qualquer outra coisa como o prazer doentio de ver sua vítima ofegante, isso é uma vilania de outra ordem, abjeta, não humana, mas que também não é animal!
Li que na Austrália, o governo pretende exterminar cerca de dois milhões de gatos selvagens. Até 2020, tencionam há de perecer cerca de um terço de todos os felinos “vadios” do país. Em Queensland, no nordeste, há a recompensa de dez dólares australianos por animal morto. Por que matá-los? Ora, porque os consideram destruidores da vida animal. E o homem? O homem, além de não destruir a vida animal, mata por prazer, e isso é nobre, já os gatos, bem, os gatos precisam comer; afinal, porque gatos precisam comer? Isso é tão comum!
Hoje li em um site português que um milhão de espécies estão em risco de extinção, muitas delas desaparecerão nas próximas décadas. “Nós precisamos de reconhecer que as alterações climáticas e a perda de [diversidade] natural são igualmente importantes, não apenas para o ambiente, mas também como fatores econômicos e de desenvolvimento”, declarou à France Presse Robert Watson, líder da equipe das Nações Unidas responsável pelo relatório, acrescentando, sem se referir às conclusões constantes do estudo, que “a forma como produzimos os nossos alimentos e energia está a desregular [os processos naturais] e os bens que obtemos a partir da natureza.”
No Brasil, a morbidez do homem tem sido particularmente cruel para com os animais e a natureza. Há deputados fiéis a Deus empenhados na morte – falo da legalização da caça. Em meio aos horrores publicados na imprensa quotidianamente, a notícia de hoje é encabeçada pelo projeto de lei elaborado pelo filho de sua eminência parda, o senador Flávio Bolsonaro (PSL) e seu comparsa, o senador Mário Bittar (MDB). Ambos, por meio do projeto, pretendem revogar as normas referentes à proteção da vegetação nativa nas propriedades rurais.
Não é preciso dizer que matas, florestas e a vida selvagem perecerão a olhos vistos, mas os parlamentares, autores do projeto, argumentam que é preciso abdicar da proteção às matas e toda vegetação nativa para garantir o que chamam de “direito constitucional de propriedade”. Traduzindo: garantir o lucro. O Código Florestal atual permite o uso sustentável dos recursos naturais nessas áreas, com desmatamento restrito e percentuais mínimos de preservação. O que querem os senhores F. Bolsonaro e M. Bittar é avançar o desmatamento em proveito da exploração desenfreada, sem qualquer respeito à vida.
O desejo mórbido que envolve politiqueiros, agronegócio – este, representado pela Menina Veneno – madeireiros e contrabandistas de madeira de lei e animais, não é outro senão o da morte – para os outros.


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