Revista Philomatica

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Educação: o pomo da discórdia

Educação é um daqueles temas fronteiriços, essenciais – para não dizer, letais -, por isso atrai sonhadores, idealizadores e oportunistas. Fronteiriço porque a ele estão sujeitos o desenvolvimento ou o atraso de um país; essencial porque dele depende a riqueza ou a miséria intelectual – e econômica – das pessoas que habitam esse país; letal porque implica a sabedoria com que são analisadas, pensadas e colocadas em prática por seus cidadãos as ideias a respeito dela.
Em todo o processo, sobretudo porque a educação é uma planta cuja semente demanda solo fértil onde possa ser fecundada, o cultivo das ideias é campo aberto a oportunistas. Dentre esses, brotam como erva daninha – a célebre tiririca – os políticos e sua militância. A maioria, de fato, não é afeita à educação, mas em períodos eleitorais traz o tema à baila e faz dele sua maior promessa de campanha. Nessas épocas, o empenho e a preocupação dos políticos com a condição da educação e os professores chega a ser algo comovedor. Eleitos, são os primeiros a cortar e desviar verbas da educação. Quantos prefeitos já não ganharam os holofotes da imprensa por desviarem verbas da merenda escolar? Dito isto, a fronteira entre a pesquisa científica e o discurso interessado torna-se bastante tênue, razão de incompreensões, desentendimentos e desavenças.
Distantes dos centros do poder, das negociatas, dos ardis e da pusilanimidade da política, o povo, nas redes sociais, tenta ser participativo, e, via de regra, mete os pés pelas mãos.
Ontem, ao correr os olhos por uma rede social, li a publicação de um senhor, a meu ver sério, comprometido com a causa animal, alguém que dedica parte de seu tempo com a família e o lazer no resgate de animais abandonados, assim como compromete parte de seu orçamento na compra de remédios e alimentos para cães, gatos, cavalos e pássaros. Pois bem, ontem, R... publicou: “Estudantes? Massa de manobra para partidos da esquerda. Como é triste ver jovens sendo tão alienados assim. Faculdades lotadas de parasitas, gente que nada produz, que nada será e tão pouco estão (sic) se importando com o futuro deles próprios (sic) e muito menos do nosso país.” É claro que R... não sabe o que diz. R... nunca pisou em uma universidade, não sabe o conhecimento que ali se produz. R..., durante toda a sua vida não fez outra coisa além de trabalhar, trabalhar e trabalhar. Assim como eu, é muito provável que R... tenha ouvido quando pequeno que “a faculdade não é para você, é para os ricos, nós temos é que sobreviver”.
R... desconhece o esforço do trabalho intelectual. Trabalhar para R... é algo que implica cansaço físico na produção e na repetição de movimentos, por exemplo. R... não conseguiu romper a barreira da ignorância que o sistema teima em perpetuar e tornou-se, ele próprio, um alienado e objeto de massa de manobra. R... está reproduzindo o discurso em que os oportunistas fizeram-no acreditar. Tivesse R... a oportunidade de se sentar em um banco universitário, pensaria ele de outro modo e, vejam, só isso já é perigoso para os oportunistas, porque o fato de ali se sentar e começar a pensar implica desconstruir os sofismas dos quais se constituem o discurso dúctil.  
É claro que nas universidades habitam parasitas, mas eles são exceções. Para um professor que engana em sala de aula, não escreve artigos científicos há meia década e alimenta seu Lattes às custas de TCCs de graduandos e artigos de mestrandos e doutorandos (quando orienta), há seguramente um dezena que se esfola, dorme tarde da noite, não têm finais de semana e feriados e vive preocupada em manter certa pontuação para que dela possa garantir a viabilidade de projetos e bolsas para estudantes de iniciação científica, mestrandos e doutorandos. Essa gente tresloucada produz ciência e conhecimento, é o motor que faz girar as engrenagens do país. E digo mais, se há um grupo abjeto e parasita, é o grupo da canalha política. Este, desvia e consome muito mais riquezas produzidas pelo país que as universidades e a educação em seu conjunto. Portanto, lamento que até mesmo R..., um homem de bem, tenha se deixado levar por tal engodo.
Não preciso dizer que R... comprou um problema: ainda que tenha excluído seu comentário, antes foi crucificado e achincalhado por uma centena de internautas, alguns dos quais, creio eu, socorreram-no anteriormente quando precisou de ajuda para o resgate de um ou outro animal desgarrado e maltratado. Como punir R... por pensar assim? Tentar convencê-lo a repensar sua opinião e seu ponto de vista mostrando como as coisas de fato são, penso, seria o correto. Mas a guarda pretoriana composta de internautas ensandecidos – também ela, objeto de manobra - não perdoa. A “justiça” virtual sentencia sumariamente, não é compreensiva e não tem tempo para isso. Condena, xinga, avilta e coloca o réu no paredão. Nada de direitos humanos. Sinto, mas é provável que o pedido de ajuda de R..., na próxima vez em que precisar socorrer um cão ferido e maltratado, não terá eco nem ressonância. 


Publicado originalmente em https://z1portal.com.br/educacao-o-pomo-da-discordia/

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