
Por
isso, interessou-me uma reportagem publicada este mês no Le Monde sobre a ascensão da bibliofilia. A jornalista Roxana Azimi
traça um perfil das ações do bibliófilo, que, discreto e silencioso, tem
aquecido o mercado de raridades, inflacionando os leilões de livros antigos,
enquanto o setor editorial sofreu queda – na França e no Brasil – no ano de
2018.
O
mercado é restrito e negócios na área demandam dispender boas somas de
dinheiro. Druout, um portal de leilões, afirma que não se passa uma semana sem
que realizem a venda de um exemplar raro e procurado por bibliófilos. A Sotheby's,
líder neste mercado de leilões, ofereceu em 18 de junho uma cópia da Histoire naturelle de Buffon,
acompanhada de algumas obras ilustradas modernas. Sua rival, a Christie's
oferecerá de 3 a 5 de julho, a formidável biblioteca de Paul Destribats, falecido
em 2017.
A
bibliofilia é um campo tão vasto que os colecionadores padecem de embarras de richesse, qual seja, o
excesso de oferta de obras de excelente qualidade. “Paul Destribats era
apaixonado pela vanguarda do século XX, até a obsessão sem dúvida; Pierre
Leroy, do Grupo Lagardère, vendeu sua biblioteca surreal em 2002 e seus livros de
Baudelaire e Proust, em 2007; hoje, afirma Adrien Legendre, da Christie, ele
está preocupado com Camus e Sade. Alguns colecionam incunábulos [obras datadas
de antes de 1500], outros impressões góticas do século XVI, e, às vezes, dentro
dessas especialidades, ainda pode-se reduzir o campo de coleta selecionando um
país, uma impressora, um ilustrador.”
A
literatura francesa, também por embarras
de richesse é parte do que se oferece aos leões. Os melhores nos quais apostar?
Hugo, Rimbaud, Baudelaire, Flaubert e Proust, “autores universais que, modernos
em sua época, ainda são hoje”, afirma Benoît Puttemans, especialista da
Sotheby's. “Para estes escritores, quase toda edição original é procurada e é
difícil não vender uma cópia das Flores
do mal, de Baudelaire, se for corretamente apreciado”, diz Adrien Legendre.
Tomemos
o caso de Proust. A Sotheby's vendeu em 2013, por 650.000 euros, uma das cinco
cópias em papel japonês de Du côté de
chez Swann, enriquecida por uma correspondência para o escritor Lucien
Daudet. Em 2018, este volume, comprado entretanto por Pierre Bergé, foi vendido
por quase 1,5 milhões de euros. “Por outro lado, diz Benoît Puttemans, o
mercado de autores clássicos como Gide e Giraudoux, para não falar de Anatole
France, que era uma das estrelas de vendas do início do século XX, não é o que
era”. Autores que aparecem em programas escolares como Lamartine, ou
regularmente no teatro, como Claudel, não são populares nos leilões.
Difícil,
no entanto, desenhar generalidades. Com o mesmo autor, os preços podem variar
completamente. As primeiras obras de Gide são, portanto, mais procuradas do que
as posteriores, cujo oferta é mais abundante. Se a Sotheby's vendeu em 2015 por
11.250 euros uma cópia do Poésies de
André Walter, oferecido por Gide a Mallarmé, outros tantas edições originais da
mesma obra mal chegam a 100 euros, prova de que a dedicatória tem seu preço.
Embora
os colecionadores tenham seu próprio hobby, todos correm atrás do mesmo melro,
a Bíblia de Gutenberg, o primeiro
livro impresso. “As cópias são tão raras que uma única página pode valer
dezenas de milhares de euros”, observa Benoît Puttemans. Outro Graal? Um
manuscrito de Molière que ninguém encontrou até hoje, ou uma antiga edição de
Shakespeare. A edição de 1623 das obras do dramaturgo inglês atingiu 2,8 milhões
de libras esterlinas (cerca de 3,2 milhões de euros) em 2006 na Sotheby's.
Você
não precisa ser um milionário para comprar livros raros. A chamada literatura
“popular” é cheia de oportunidades. Desde sua entrada na “Biblioteca da
Pléiade”, Georges Simenon excedeu largamente a categoria de romances de
estação, mas seus preços permanecem modestos, entre 150 e 500 euros para uma
edição original numerada, menos para uma edição original recém publicada. “Mas
pode ir até 5 mil euros se essas edições forem enriquecidas por
correspondências ou por raridades, como a edição americana de Maigret”, diz
Benoît Puttemans.
Nas
livrarias, os livros de Michel Houellebecq em papel especial são tomados de
assalto. Por enquanto, essas cópias raramente aparecem em leilão. Uma edição
original em papel especial de La Carte et
le Territoire, publicado em 2010, foi leiloado 4,802 euros no Artcurial em
2018. “Um livro, cuja publicação não excedeu 200 cópias é mais fácil de se
tornar raro, com um capa singular, uma dedicação ou uma gravura que um livro
publicado com 5.000 ou 10.000 exemplares”, observa Adrien Legendre.
Uma
regra que se contradiz se observarmos alguns sucessos anglo-saxões como Harry Potter. Uma edição original do
primeiro volume da saga de J.K. Rowling atingiu 162 500 dólares (145 350 euros)
em 2018, na Christie's. Por sua vez, a Sotheby's vendeu uma cópia de The Tales of Beedle the Bard, anotada e
ilustrada por JK Rowling, por 1,9 milhões de libras esterlinas (cerca de 2,2 milhões
de euros) em 2007. Em termos de livros não há regras. Outra cópia, que
pertenceu ao editor da autora, não excedeu 368.750 libras (cerca de 420.000
euros) em 2016.
No
Brasil, os bibliófilos fazem parte de um grupo reduzido e os livros, não raro,
são objeto de buscas até mesmo no exterior, a exemplo da primeira edição de O Guarani, de José de Alencar, que levou
José Mindlin a algum desespero quando o esqueceu em avião de Air France.
Imagem:
Los Bibliofilos, de Luis Jiménez y Aranda
Publicado anteriormente em https://z1portal.com.br/prosa-para-bibliofilos/
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