Revista Philomatica

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Prosa para bibliófilos


Há alguns anos, lembro-me de ter ouvido de uma professora que o mercado dos livros e autores funciona como ações de empresas nas bolsas de valores. Ainda segundo ela, aquele que investisse em Victor Hugo certamente faria proveito de bons rendimentos. Falávamos, é claro, da literatura francesa. No Brasil, encabeçando o peloton de tête acho difícil não apostar em Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Drummond e outros, seguidos, é claro, por uma multidão que a poeira do tempo se encarregara de apagar, nos quais, é evidente, não apostaria meus parcos caraminguás, até mesmo porque muitos dos talentos recentes têm sido listados entre grandes nomes da literatura em razão da onda multiculturalista, que nos tem empurrado goela abaixo muita mosca em meio à sopa.
Por isso, interessou-me uma reportagem publicada este mês no Le Monde sobre a ascensão da bibliofilia. A jornalista Roxana Azimi traça um perfil das ações do bibliófilo, que, discreto e silencioso, tem aquecido o mercado de raridades, inflacionando os leilões de livros antigos, enquanto o setor editorial sofreu queda – na França e no Brasil – no ano de 2018.
O mercado é restrito e negócios na área demandam dispender boas somas de dinheiro. Druout, um portal de leilões, afirma que não se passa uma semana sem que realizem a venda de um exemplar raro e procurado por bibliófilos. A Sotheby's, líder neste mercado de leilões, ofereceu em 18 de junho uma cópia da Histoire naturelle de Buffon, acompanhada de algumas obras ilustradas modernas. Sua rival, a Christie's oferecerá de 3 a 5 de julho, a formidável biblioteca de Paul Destribats, falecido em 2017.
A bibliofilia é um campo tão vasto que os colecionadores padecem de embarras de richesse, qual seja, o excesso de oferta de obras de excelente qualidade. “Paul Destribats era apaixonado pela vanguarda do século XX, até a obsessão sem dúvida; Pierre Leroy, do Grupo Lagardère, vendeu sua biblioteca surreal em 2002 e seus livros de Baudelaire e Proust, em 2007; hoje, afirma Adrien Legendre, da Christie, ele está preocupado com Camus e Sade. Alguns colecionam incunábulos [obras datadas de antes de 1500], outros impressões góticas do século XVI, e, às vezes, dentro dessas especialidades, ainda pode-se reduzir o campo de coleta selecionando um país, uma impressora, um ilustrador.”
A literatura francesa, também por embarras de richesse é parte do que se oferece aos leões. Os melhores nos quais apostar? Hugo, Rimbaud, Baudelaire, Flaubert e Proust, “autores universais que, modernos em sua época, ainda são hoje”, afirma Benoît Puttemans, especialista da Sotheby's. “Para estes escritores, quase toda edição original é procurada e é difícil não vender uma cópia das Flores do mal, de Baudelaire, se for corretamente apreciado”, diz Adrien Legendre.
Tomemos o caso de Proust. A Sotheby's vendeu em 2013, por 650.000 euros, uma das cinco cópias em papel japonês de Du côté de chez Swann, enriquecida por uma correspondência para o escritor Lucien Daudet. Em 2018, este volume, comprado entretanto por Pierre Bergé, foi vendido por quase 1,5 milhões de euros. “Por outro lado, diz Benoît Puttemans, o mercado de autores clássicos como Gide e Giraudoux, para não falar de Anatole France, que era uma das estrelas de vendas do início do século XX, não é o que era”. Autores que aparecem em programas escolares como Lamartine, ou regularmente no teatro, como Claudel, não são populares nos leilões.
Difícil, no entanto, desenhar generalidades. Com o mesmo autor, os preços podem variar completamente. As primeiras obras de Gide são, portanto, mais procuradas do que as posteriores, cujo oferta é mais abundante. Se a Sotheby's vendeu em 2015 por 11.250 euros uma cópia do Poésies de André Walter, oferecido por Gide a Mallarmé, outros tantas edições originais da mesma obra mal chegam a 100 euros, prova de que a dedicatória tem seu preço.
Embora os colecionadores tenham seu próprio hobby, todos correm atrás do mesmo melro, a Bíblia de Gutenberg, o primeiro livro impresso. “As cópias são tão raras que uma única página pode valer dezenas de milhares de euros”, observa Benoît Puttemans. Outro Graal? Um manuscrito de Molière que ninguém encontrou até hoje, ou uma antiga edição de Shakespeare. A edição de 1623 das obras do dramaturgo inglês atingiu 2,8 milhões de libras esterlinas (cerca de 3,2 milhões de euros) em 2006 na Sotheby's.
Você não precisa ser um milionário para comprar livros raros. A chamada literatura “popular” é cheia de oportunidades. Desde sua entrada na “Biblioteca da Pléiade”, Georges Simenon excedeu largamente a categoria de romances de estação, mas seus preços permanecem modestos, entre 150 e 500 euros para uma edição original numerada, menos para uma edição original recém publicada. “Mas pode ir até 5 mil euros se essas edições forem enriquecidas por correspondências ou por raridades, como a edição americana de Maigret”, diz Benoît Puttemans.
Nas livrarias, os livros de Michel Houellebecq em papel especial são tomados de assalto. Por enquanto, essas cópias raramente aparecem em leilão. Uma edição original em papel especial de La Carte et le Territoire, publicado em 2010, foi leiloado 4,802 euros no Artcurial em 2018. “Um livro, cuja publicação não excedeu 200 cópias é mais fácil de se tornar raro, com um capa singular, uma dedicação ou uma gravura que um livro publicado com 5.000 ou 10.000 exemplares”, observa Adrien Legendre.
Uma regra que se contradiz se observarmos alguns sucessos anglo-saxões como Harry Potter. Uma edição original do primeiro volume da saga de J.K. Rowling atingiu 162 500 dólares (145 350 euros) em 2018, na Christie's. Por sua vez, a Sotheby's vendeu uma cópia de The Tales of Beedle the Bard, anotada e ilustrada por JK Rowling, por 1,9 milhões de libras esterlinas (cerca de 2,2 milhões de euros) em 2007. Em termos de livros não há regras. Outra cópia, que pertenceu ao editor da autora, não excedeu 368.750 libras (cerca de 420.000 euros) em 2016.
No Brasil, os bibliófilos fazem parte de um grupo reduzido e os livros, não raro, são objeto de buscas até mesmo no exterior, a exemplo da primeira edição de O Guarani, de José de Alencar, que levou José Mindlin a algum desespero quando o esqueceu em avião de Air France.

Imagem: Los Bibliofilos, de Luis Jiménez y Aranda

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