
Com
a ética, ocorre quase o mesmo. Todos sabemos o que é a ética, o que é ser
ético, mas se nos propormos a explicá-la, é provável que nos atrapalhemos. E
por quê? Porque assim como o tempo temos dificuldade em traduzir por palavras o
seu conceito. À busca do carro das ideias, lancei a pergunta “O que é ética?”
ao Google. A resposta foi o esfacelamento da ética; é claro que a definição
dicionarizada dá margem a isso, pois lá no dicionário ética é um “conjunto de regras e
preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de
uma sociedade”, por isso as éticas moral, profissional, cristã e por aí vai...
De
hábito, as relações entre ética e moral são ordinárias, comuns, mas nem por
isso deixam de ser delicadas, isto porque a distinção entre esses dois termos é
diferente, segundo os pensadores. No sentido “comum”, o termo ética é sinônimo
de moralidade e refere-se a uma prática destinada a determinar o modo como se
vive em um habitat em correspondência
aos fins ou papéis da vida do ser humano.
No
entanto, se o termo “ética” é sinônimo de moralidade no sentido “comum”, por
que a palavra “moral” não é encontrada nem uma vez na Ética de Espinosa, por exemplo? A razão para isto é que a
moralidade consiste em um conjunto de regras “relativas” estabelecidas ficciosamente
como boas e más absolutas, enquanto a ética é precisamente a moralidade livre
de suas crenças supersticiosas que absolutizam o relativo e suas condenações moralizadoras
e que são usadas como arma contra os outros, consonante Constantin Brunner, filósofo
herdeiro espiritual de Spinoza.
Abandonando
a erudição, vamos a exemplos da falta de ética e moral nessa nossa sociedade
líquida em que nada mais assegura uma conduta adequada do ponto de vista ético
ou moral. Veja o que a polícia acaba de descobrir sobre o Dia do Fogo, dia em que fazendeiros, madeireiros, empresários e motoqueiros
juntaram-se para pôr fogo na floresta Amazônica e, depois, foram protegidos por
delegados, deputados e senadores. A polícia descobriu que os incêndios dos dias
10 e 11 de agosto foram orquestrados via grupos de Whatsapp e financiados por
meio de uma vaquinha, com o objetivo de bancar os custos do combustível –
mistura de óleo e gasolina – e dos motoqueiros, pagos para disseminar o fogo em
trilhas perto das estradas.
Não
é preciso dizer que depois do esforço do grupo, os focos de incêndio em torno
da cidade de Novo Progresso (o novo em si revela-se bastante irônico), no Pará,
aumentou em nada menos que 300%. Um dos suspeitos é Agamenon Menezes (Agamenon,
o nome, é uma afronta aos gregos), senhor bastante ético da cidade e presidente
do Sindicato dos Produtores Rurais da cidade (de um sindicalista não esperava
algo diferente; desafio aqueles que creem em sindicalistas a me convencerem do
contrário).
Há
também um senhor de moral ilibada, Ricardo de Nadai, proprietário da loja
Agropecuária do Sertão e organizador dos grupos no Whatsapp; claro, imaginando
quanto faturaria com o desmatamento e a venda de apetrechos para a formação de
pastos. A notícia se espalhou e o delegado da Polícia Civil, Vicente Gomes, da
Superintendência da Polícia Civil de Tapajós, também ético, determinou que o
delegado de Novo progresso não repassasse a informação à Polícia Federal.
O
acordo entre fazendeiros e madeireiros foi revelado por Adécio Piran em 5 de
agosto, no site paraense da Folha do
Progresso; o rapaz, após a publicação, fugiu da cidade por ter sido
ameaçado de morte pelos moralmente éticos fazendeiros e madeireiros de Novo
progresso.
Mas
não é só isso caro leitor: um dos representantes dos ruralistas no governo
federal, o Sr. Luiz Antônio Nabhan rondou Novo Progresso e os policiais da
cidade afirmam que os fazendeiros da região são bem relacionados com deputados
e senadores do Pará e têm contatos com o alto escalão do governo federal.
Moralmente éticos ou não, covardes quando são pegos com a boca na botija,
esquivam-se: Agamenon atribuiu o aumento dos focos de incêndio ao período seco
e aos indígenas; o presidente da República, por sua vez, à época negou a
existência das queimadas.
Notou
porque é difícil responder o que é ética, leitor? A ética ainda é possível em
meio a tanta canalhice?
Publicado originalmente em https://www.z1portal.com.br/a-etica-ainda-e-possivel/