Revista Philomatica

sábado, 16 de janeiro de 2010

Os mortos governam os vivos

Dias desses comentando o desejo nada oculto do nosso presidente, que disse querer ser lembrado como um repeteco de Getúlio Vargas, mencionei o aforismo usado repetidas vezes por Machado em suas crônicas de A Semana - os mortos governam os vivos. Em crônica de 5.11.1893, o cronista relembra personagem criada por José de Alencar, na comédia Verso e Reverso, que a todo instante que alguém entra em cena, tasca a pergunta: ___ Que há de novo? Dito e feito. O cronista, por pilhéria, resolve aplicar a mesma brincadeira. Em suas andanças pelo centro do Rio de Janeiro, assim que cruza com um conhecido e este lhe pergunta o que há de novo, responde: __ O terremoto. A partir daí segue-se uma sucessão de mal entendidos, com alguns de seus interlocutores afirmando terem mesmo ouvidos estrondos e sentido as paredes estremecerem. Na verdade o cronista fizera, por brincadeira, referência ao Terremoto de Lisboa, ocorrido há um século e meio. Uma prova de que, por sugestão, os mortos governam os vivos.
Hoje, os exemplos são infinitos. Veja-se, esta semana. No mais aterrador dos exemplos está o terremoto no Haiti. A prioridade, agora, é desfazer-se dos mortos, para que esses não levem os ainda vivos atrás de si. Desfazer-se dos mortos equivale a limpar a área, prevenir doenças, respirar ar menos fétido, enfim, algo doloroso, porém, necessário para se continuar a viver.

A semana nos deu ainda outras manchetes de que os mortos governam os vivos: Elvis segue entre os mais lucrativos, com ganho de US$ 55 milhões em 2009 - Não é incrível? Alguém morto há trinta anos e ainda assim fatura tanto?!, ao passo que muitos dos cantores atuais já ganham disco de ouro por míseras 25 mil cópias vendidas!; outro do além que ainda apronta por aqui: Michael Jackson lidera venda de discos nos EUA em 2009 - se bem que este foi-se há pouco e, acreditando-se em energias extrasensorias e outras 'cositas', ainda deve exercer alguma influência entre os vivos, até porque as gravadores fazem o possível e o impossível para que ele não faça a inelutável passagem.

De todos os exemplos o mais burlesco foi o produzido pela Academia Brasileira de Letras. Explico-me: A Academia resolveu encomendar uma missa para comemorar o centenário de Joaquim Nabuco, que se realizará em 17 de janeiro. Até aí, maravilha. Nabuco não só merece esta, mas outras tantas homenagens. O detalhe fica por conta de que o imortal que comparecer receberá jetom. Pode?! Trata-se da primeira missa da história com jetom. A moda pegou. Não bastasse lá no Congresso! Como vês, leitor, mais um caso em que os mortos governam os vivos. É Nabuco a patrocinar uma graninha extra para os imortais. Em tempo: Será que o Sarney estará presente, ou vai embolsar o jetom mesmo sem comparecer, como se faz lá em Brasília? Machado, meu Deus!, esteja onde estiver, não está acreditando...
Foto: Fachada da Academia Brasileira de Letras - Rio de Janeiro

Um comentário:

  1. Celina Borges Teixeira18 de janeiro de 2010 às 16:43

    Já havia ouvido comentários sobre essa crônica de Machado de Assis; agora, depois de sua referência a ela, não vejo a hora de encontrar o volume no qual ela foi publicada na minha coleção.
    Parabéns pelo blog, Dirceu!
    Muito bem feito e convidativo!
    Abraço
    Celina

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