Na sociedade carioca do início do século XX, traduzir várias obras de Oscar Wilde, o escritor considerado maldito por sua homossexualidade, tornando-se com isso seu divulgador oficial, foi o que faltava para que as suspeitas se confirmassem e João do Rio fosse motivo de chacota entre seus contemporâneos. Esse dândi de salão, nascera João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, em 1881, no Rio de Janeiro, e foi cronista, jornalista, tradutor e teatrólogo. Segundo seus biógrafos, Paulo Barreto, como então era conhecido, representou um novo tipo de jornalista na imprensa, fazendo com que o exercício do jornalismo deixasse de ser uma atividade considerada menor – um bico, exercida por intelectuais ou funcionários públicos que dispunham de algumas horas vagas à disposição, digamos, dos jornais. Paulo Barreto não só profissionaliza o jornalista, como também move a criação literária para o primeiro plano e passa a viver disso, empregando pseudônimos - mais de dez - para atrair diferentes públicos e consumidores. Uma de suas grandes inovações na imprensa foi a de transformar a crônica em reportagem, ainda que não raro, lírica e com vislumbres poéticos, como bem cabe a todo bom escritor. Cabe ainda a João do Rio, a vulgarização na imprensa o hábito das entrevistas, gênero que por aqui era praticamente desconhecido até o início do século XX. A produção de Paulo Barreto, cujo pseudônimo, João do Rio, surgiu em 1903, quando assinou um artigo para a Gazeta de Notícias intitulado O Brasil Lê, em que tratava das preferências literárias do leitor carioca, foi assombrosa. Segundo Brito Broca, os quinze ou vinte volumes que deixou não absorvem senão uma pequena parte de centenas de crônicas, reportagens, contos e artigos de diferentes gêneros do que publicou, muitos, com outros pseudônimos.
Segundo Brito Broca, as referências a Oscar Wilde eram escassas no Brasil do início do século XX. Depois do domínio de Byron, no período romântico, pouco ou nenhuma familiaridade tínhamos com qualquer poeta inglês e, de fato, só se falou de Wilde após o processo que o autor sofrera na Inglaterra. A revista A Cigarra, dirigida por Olavo Bilac, fizera ligeira alusão a Wilde, porém, em referência à sua homossexualidade, considerada então uma degenerescência. Talvez o primeiro artigo publicado no Brasil sobre Wilde tenha sido de João do Rio, em abril de 1905, para a Revista Renascença, cujo título era Breviário do artificialismo. João do Rio dissera que tomara conhecimento de Oscar Wilde ao estudar os pré-rafaelitas ingleses, o que o levou a procurar por um livro na biblioteca, quando deu de cara com um volume sujo, em mau papel, da Casa Hunro, de Nova York. Eram os poemas de Oscar Wilde. Porém, apesar desse relato, Brito Broca acredita que o cronista tenha descoberto Oscar Wilde através do francês Jean Lorrain, que possuía as maiores afinidades com Wilde. Aliás, em Five O’Clock, de Elísio de Carvalho, com sua linguagem cheia de estrangeirismos, seu estilo afetado, que se assemelha em tudo a João do Rio, o cronista traça "uma comparsaria mundana do refinamento e decadentismo que parece moldada pelas silhuetas nevrálgicas de Jean Lorrain", afirma Broca. Ainda segundo Broca, o mesmo princípio da arte pela arte que denota todo os esteticismo de Wilde, levava os heróis de Jean Lorrain, como Monsieur de Phocas, aos extremos dissolutos da decadência. João do Rio provavelmente leu Lorrain, donde os traços marcantes e acentuados em seu livro Dentro da Noite, mostra da provável influência da leitura do francês. É a circulação literária a recontar a própria literatura em contextos outros que aqueles da origem, inscrevendo-se, assim, na genealogia das literaturas e marcando sua própria originalidade. Questões de intertextos. Curiosidade extra: João do Rio era o pseudônimo de Paulo Barreto; Jean Lorrain era o de Paul Duval. Muito aproximava os dois autores: as preferências sexuais de Paulo Barreto desde cedo constituíram-se em motivo de suspeita. Solteiro, sem namorada ou amante conhecidas, muitos de seus textos deixam transparecer uma inclinação homoerótica bastante explícita. Lorrain cria para si uma personagem com evidente intenção de escandalizar. Faz ostentação de sua homossexualidade e sua paixão pelos lutadores de justa, não hesita em aparecer no baile anual das artes (le bal des Quat’z Arts) com camiseta rosa e calças que se assemelham à pele de pantera, as calças, diziam, de seu amigo, um lutador de Marseille. Ele se considerava um esteta e um dândi, ao mesmo tempo que um agitador e um explorador do vício e da vulgaridade, conjunto que, muitas vezes, o faziam descambar para um tremendo mau gosto, o que lhe valeu o desprezo arrogante de Robert de Montesquiou. Léon Daudet, por sua vez, descreve Lorrain em seu Souvenirs, como alguém que tem uma cabeça de boneca, uma cara grande e gorda, cabelos repartidos ao patchouli perfumado, olhos esbugalhados, ansiosos e ávidos, lábios grandes e babosos que cuspiam e gotejavam enquanto falava. Seu tronco era curvado como a quilha de alguns abutres. Ele, Lorrain, diz Daudet, se alimentava avidamente de todas as calúnias e imundícies”.
Jean Lorrain era o pseudônimo de Paul Alexandre Martin Duval, escritor francês de forte tendência parnasiana e um dos mais escandalosos da Belle Époque, assim como seus amigos Rachilde, Hugues Rebell et Fabrice Delphi. Suas obras se aproximam da literatura de fin de siècle. Hoje, Jean Lorrain é um escritor esquecido e parecerá estranho à maioria dos leitores. Brito Broca, em 1956, já afirmava que talvez nenhum de seus livros tivesse sido editado nos últimos quarenta anos e que provavelmente seria difícil encontrar um exemplar entre os bouquinistes do cais do Sena. No entanto, seu nome aparecera em diários e memórias de escritores do 1900 francês, como Maurice Donnay e Albert Keim. No Brasil, João do Rio foi o que mais contribuiu para a vulgarização do nome de Jean Lorrain, autor de Monsieur de Phocas, deixando-se influenciar por ele não só em suas crônicas e contos, como também em suas próprias atitudes, ou seja, em seu comportamento marcado por intenções preconcebidas, com o intuito de chocar e irritar, bem à maneira de Jean Lorrain.
Lorrain deixou um grande número de obras, dentre as quais: Monsieur de Phocas – certamente a mais conhecida, Histoire de masques, Propos d’mes simples, Le vice errant, Princesse d’Ivoire et d’Ivresse, Monsieur de Bougrelon, Quelques hommes, Fards et poissons. Enfim, Lorrain é um representante típico do decadentismo do fin de siècle, que teve no A Rebours e no Là-Bas, de Huysmans, sua expressão mais elevada. A personagem mais típica de Lorrain – Monsieur de Phocas, foi inspirada, segundo Broca, certamente pelo Des Esseints, de Huysmans. E, para encurtar a prosa, isso só dá uma boa cocada em razão desses encontros que a circulação literária viabiliza ao longo do tempo.
Segundo Brito Broca, as referências a Oscar Wilde eram escassas no Brasil do início do século XX. Depois do domínio de Byron, no período romântico, pouco ou nenhuma familiaridade tínhamos com qualquer poeta inglês e, de fato, só se falou de Wilde após o processo que o autor sofrera na Inglaterra. A revista A Cigarra, dirigida por Olavo Bilac, fizera ligeira alusão a Wilde, porém, em referência à sua homossexualidade, considerada então uma degenerescência. Talvez o primeiro artigo publicado no Brasil sobre Wilde tenha sido de João do Rio, em abril de 1905, para a Revista Renascença, cujo título era Breviário do artificialismo. João do Rio dissera que tomara conhecimento de Oscar Wilde ao estudar os pré-rafaelitas ingleses, o que o levou a procurar por um livro na biblioteca, quando deu de cara com um volume sujo, em mau papel, da Casa Hunro, de Nova York. Eram os poemas de Oscar Wilde. Porém, apesar desse relato, Brito Broca acredita que o cronista tenha descoberto Oscar Wilde através do francês Jean Lorrain, que possuía as maiores afinidades com Wilde. Aliás, em Five O’Clock, de Elísio de Carvalho, com sua linguagem cheia de estrangeirismos, seu estilo afetado, que se assemelha em tudo a João do Rio, o cronista traça "uma comparsaria mundana do refinamento e decadentismo que parece moldada pelas silhuetas nevrálgicas de Jean Lorrain", afirma Broca. Ainda segundo Broca, o mesmo princípio da arte pela arte que denota todo os esteticismo de Wilde, levava os heróis de Jean Lorrain, como Monsieur de Phocas, aos extremos dissolutos da decadência. João do Rio provavelmente leu Lorrain, donde os traços marcantes e acentuados em seu livro Dentro da Noite, mostra da provável influência da leitura do francês. É a circulação literária a recontar a própria literatura em contextos outros que aqueles da origem, inscrevendo-se, assim, na genealogia das literaturas e marcando sua própria originalidade. Questões de intertextos. Curiosidade extra: João do Rio era o pseudônimo de Paulo Barreto; Jean Lorrain era o de Paul Duval. Muito aproximava os dois autores: as preferências sexuais de Paulo Barreto desde cedo constituíram-se em motivo de suspeita. Solteiro, sem namorada ou amante conhecidas, muitos de seus textos deixam transparecer uma inclinação homoerótica bastante explícita. Lorrain cria para si uma personagem com evidente intenção de escandalizar. Faz ostentação de sua homossexualidade e sua paixão pelos lutadores de justa, não hesita em aparecer no baile anual das artes (le bal des Quat’z Arts) com camiseta rosa e calças que se assemelham à pele de pantera, as calças, diziam, de seu amigo, um lutador de Marseille. Ele se considerava um esteta e um dândi, ao mesmo tempo que um agitador e um explorador do vício e da vulgaridade, conjunto que, muitas vezes, o faziam descambar para um tremendo mau gosto, o que lhe valeu o desprezo arrogante de Robert de Montesquiou. Léon Daudet, por sua vez, descreve Lorrain em seu Souvenirs, como alguém que tem uma cabeça de boneca, uma cara grande e gorda, cabelos repartidos ao patchouli perfumado, olhos esbugalhados, ansiosos e ávidos, lábios grandes e babosos que cuspiam e gotejavam enquanto falava. Seu tronco era curvado como a quilha de alguns abutres. Ele, Lorrain, diz Daudet, se alimentava avidamente de todas as calúnias e imundícies”.
Jean Lorrain era o pseudônimo de Paul Alexandre Martin Duval, escritor francês de forte tendência parnasiana e um dos mais escandalosos da Belle Époque, assim como seus amigos Rachilde, Hugues Rebell et Fabrice Delphi. Suas obras se aproximam da literatura de fin de siècle. Hoje, Jean Lorrain é um escritor esquecido e parecerá estranho à maioria dos leitores. Brito Broca, em 1956, já afirmava que talvez nenhum de seus livros tivesse sido editado nos últimos quarenta anos e que provavelmente seria difícil encontrar um exemplar entre os bouquinistes do cais do Sena. No entanto, seu nome aparecera em diários e memórias de escritores do 1900 francês, como Maurice Donnay e Albert Keim. No Brasil, João do Rio foi o que mais contribuiu para a vulgarização do nome de Jean Lorrain, autor de Monsieur de Phocas, deixando-se influenciar por ele não só em suas crônicas e contos, como também em suas próprias atitudes, ou seja, em seu comportamento marcado por intenções preconcebidas, com o intuito de chocar e irritar, bem à maneira de Jean Lorrain.
Lorrain deixou um grande número de obras, dentre as quais: Monsieur de Phocas – certamente a mais conhecida, Histoire de masques, Propos d’mes simples, Le vice errant, Princesse d’Ivoire et d’Ivresse, Monsieur de Bougrelon, Quelques hommes, Fards et poissons. Enfim, Lorrain é um representante típico do decadentismo do fin de siècle, que teve no A Rebours e no Là-Bas, de Huysmans, sua expressão mais elevada. A personagem mais típica de Lorrain – Monsieur de Phocas, foi inspirada, segundo Broca, certamente pelo Des Esseints, de Huysmans. E, para encurtar a prosa, isso só dá uma boa cocada em razão desses encontros que a circulação literária viabiliza ao longo do tempo.
Para saber mais sobre João do Rio e seu encontro com Lorrain, veja BROCA, Brito. A Vida Literária no Brasil 1900. 5ª. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Academia Brasileira de Letras, 2005, p. 57, 321, 324.
Imagens: Litografia de Jean lorrain (1855-1906); João do Rio (1881-1921) e caricatura de Jean Lorrain por Sem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário