
Essa foi a deixa que tive para chegar aos Cafés Literários. A última década do século XIX, foi a época áurea da boemia carioca e os cafés literários pululavam no Rio de Janeiro. O ponto nevrálgico era entre as Ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias. Para lá se dirigiam as celebridades literárias da época. Havia o Java, no Largo São Francisco, esquina com a Rua do Ouvidor; o Café Paris, o Café Papagaio, o Café Globo, na Primeiro de Março, entre a Rua do Ouvidor e o beco dos Barbeiros. Havia também as Confeitarias: a Castelões (lembrada por Machado de Assis nas Notas Semanais de O Cruzeiro), a Cailteau, a Pascoal, na Rua do Ouvidor, e a Colombo, na Gonçalves Dias, que, inacreditavelmente, resiste até os dias de hoje. Foi na Pascoal que João do Rio deu de cara com o aclamado poeta Olavo Bilac. Qualquer provinciano que se deslocasse à Capital, poderia chocar-se com seu poeta ou romancista admirado nesses estabelecimentos.
O point era a Confeitaria Pascoal, na Rua do Ouvidor, porém, dizem, Olavo Bilac, se desentendera com se
u proprietário e, a partir de então, se transferira, junto de sua tchurminha, para a Colombo, na Gonçalves Dias. Birras de poeta.

Contra o prestígio crescente da Colombo, surge um outro grupo, chefiado por Paulo Barreto - João do Rio. Procuram hostilizar o grupo de Bilac, a quem chamavam de sr. Bilac e, em oposição à Musa Verde (o absinto) dos poetas da Colombo, que costumavam quase todos embebedar-se, cultuavam Nietzsche, o filósofo do super-humanismo, segundo nos conta Brito Broca. Aos poucos, porém, deixam a Rua do Ouvidor e passam de vez para a Gonçalves Dias. A Colombo passa a ser o ponto convergente da boemia, que já está em franca decadência. As gerações se alteram: alguns morrem, outros, como Bilac, proibido de beber pelos médicos e já avizinhando a velhice, se afastam. O panorama se altera. Lima Barreto, por exemplo, se cerca de uma roda de "rapazes instruídos" no Café Jeremias ou na Americana, onde, até certa época, segundo o próprio Lima Barreto, só tomavam café. pois o vil metal não dava para a cerveja e muito menos para o uísque. Ao lado dessas figuras literárias gravitavam artistas, desenhistas, caricaturistas e gente de teatro, além dos que se esterilizavam na boemia, e que segundo Broca, eram donos de um talento fracassado, que os amigos diziam ser grande, pois, constitui tradição boêmia, a crença de aferir talento aos que dela fizeram parte. Falava-se, por exemplo, dos famosos sonetos de Raul Braga, memorável alcoólatra, que chamando um amigo para o canto, recitava-lhe versos e pedia-lhe algumas moedas. Rocha Alazão, Santos Maia, Constantino Pacheco, e outros fizeram parte deste rol. Havia uma ligação íntima entre o álcool e a literatura: "Sim, bebíamos, mas lealmente, sinceramente" - dizia Martins Fontes.
O tempo passa e aparecem as primeiras casas de chope do Rio de Janeiro. Tudo começa com a inauguração do estabelecimento do Jacob (a alemão Jacob Wendling), à Rua da Assembleia. Paulo Barreto escreve: "Alguns estetas, imitando Montmartre, tinham inaugurado o prazer de discutir literatura e falar mal do próximo nas mesas de mármore do Jacob". Porém, segundo João do Rio, o que esses estetas, esses intelectuais, desejavam há muito tempo era um cabaré à moda do Chat Noir e do Mirliton, de Montmartre.
O Chat Noir foi o mais célebre dos cabarés, fundado em 1881, em Montmartre, por Rodolphe Salis, e possuía uma revista mesmo nome. Nela colaboraram Verlaine, Jean Moréas, Léon Bloy, Jean Richepin, Villiers de l'Isle Adam, Laurent Tailhade e tantos outros. Para assegurar a promoção do cabaré, Rodolphe Salis e Émile Gourdeau criaram a revista semanal Le Chat Noir, que teve 688 edições publicadas entre 14.1.1882 e março de 1895, e, depois, mais 122 números, numa segunda série, sendo que o último deles veio à luz em 30.9.1897. A revista encarnava o espírito de fin de siècle e tinha como colaboradores, além de artistas, cancioneiros, poetas e escritores. Le Cha
t Noir foi uma das primeiras revistas a publicar pequenos artigos de Jean Lorrain.

No Rio, os intelectuais esperavam por algo nos moldes do cabaré parisiense. Em 1904, na revista Kosmos, Gonzaga Duque confessa: "O cabaré foi nossa grande aspiração. Se não o tivéssemos, estávamos desmoralizados, porque sujeitar-nos-íamos à vulgaridade do burguesismo". Esperaram por muito tempo até que surgiu a notícia: acabava de fundar-se no Rio de Janeiro um Chat Noir, tal qual o parisiense. A artista, dona do estabelecimento, escreve Broca, apresentava-se travestida de Aristide Bruant, o célebre chansonnier do Mirliton. A atmosfera, enfim, era aquela desejada por artistas e escritores. "Ia-se ao Chat Noir, como a um supremo prazer de arte", dizia João do Rio. A essa época, Olavo Bilac, preocupado com a ideia da morte que o atormentou nos últimos tempos, escrevia na Gazeta de Notícias que o Chat Noir ia desmoralizar a morte. "Já temos no Rio de Janeiro um lugar onde se pode confortavelmente rir da morte". O ambiente apresentava-se satânico, o clima era baudelairiano, e o próprio Bilac colaboraria para o repertótio do Chat Noir, com a Canção do dia.
O Chat Noir não tardaria em fechar suas portas: segundo João do Rio, teria morrido por falta de dinheiro, mas na versão de Gonzaga Duque, morrera por conta das rixas, desordens e da polícia, que começou a intervir com frequencia, e o estabelecimento desmoronou-se. Mas isso foi só o começo: logo começaram a proliferar pela cidade os cafés-concerto e os cabarés, na esteira do Chat Noir.
Nota: Muitos dos dados sobre a intelectualidade e a boemia do fim do XIX, no Rio de Janeiro foram extraídos de A Vida Literária do Brasil 1900, Brito Broca, 5a. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Academia Brasileira de Letras, 2005, cap.IV.
Imagens: Théophile-Alexandre Steinlen, Tournée du Chat Noir, 1896, cartaz do hebdomadaire Le Chat Noir e interior da Confeitaria Colombo; todas disponíveis no Google Images.
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