Em
busca do carro das ideias, corro os olhos por diferentes periódicos e sites de notícia, o que me levou, uma
vez mais, a refletir sobre os benefícios e malefícios da imprensa.
Em
1859, na Revista O Espelho, Machado
de Assis publicou um pequeno texto chamado “A reforma pelo jornal”. Nele,
chamava o jornal de fiat humano, algo
que faria tremer as aristocracias; dizia ainda que o veículo tende à unidade
humana, ao abraço comum e que a “primeira propriedade do jornal é a reprodução
amiudada, é o derramamento fácil em todos os membros do corpo social”.
Mas,
hoje, refletindo sobre o que nos é oferecido, cabe questionar: que abraço é
esse? O que nos é derramado de modo tão democrático? O que tem feito esta
alavanca que Arquimedes pedia para abalar o mundo?
Um
leitor contumaz de livros, objetos que trazem “alguma
coisa de limitado e de estreito se o
colocarmos em face do jornal”[1],
ao deparar-se com os jornais atuais, choca-se e tem ímpetos, no mínimo,
psicopáticos: perde seus afetos mais profundos, a incapacidade de respeito,
arroga-se extremo egocentrismo e nutre vontades de matar, de modo lento e doloroso,
o jornalista ou seja lá quem for que tenha escrito o texto.
O porquê disso tudo? Ora, leitor, não há mais
grande jornalista. Este espécimen está extinto. Vivemos a época dos grandes
furos de reportagem e da venda de ideias; não se vendem mais fatos. A imprensa,
zelosa de seus interesses, deforma a realidade, esconde- a do leitor, que, na
origem, era sua razão de existir. A imprensa não mais precisa de leitores. O
poder, naquilo que este representa de mais pernicioso, é seu grande financiador,
sua razão de existir. Por isso, e só por isso o abraço comum que hoje recebemos da imprensa é um abraço de Judas;
somos por ela traídos todos os dias. Regados com baldes de estupidez e
obtusidade, nós, o jardim que ela crê ressequido, incapaz de florescer por
nossa própria conta ao orvalho de nossas escolhas, somos alienados por essa
meretriz.
É certo que sempre lançamos mão uma ideologia
para interpretar o mundo, mas, com o desparecimento do jornalista, adentraram
as redações os estagiários. Estes, em geral doutrinados em criar factoides, insistem
que leiamos a mesma cartilha que lhes foi oferecida, subtraindo-nos o
conhecimento e nossas próprias escolhas. O resultado é que até mesmo nos
assuntos mais palatáveis e exóticos, a imprensa tem se empenhado em entorpecer e
debilitar o leitor.
Há pouco li uma matéria intitulada Experimento pode ter resolvido mistério na construção das pirâmides[2], de autoria de Thaís Uehara. Em seis curtos parágrafos, Uehara mostra-se maravilhada com a provável descoberta de um grande mistério: como os egípcios alinharam a pirâmide de Quéops com os pontos cardeais. Até aí, vá lá, cada um maravilha-se com o que quer. Mas o imperdoável é Uehara ter afirmado em um texto tão curto e simples, em que às
sinapses não é oferecido trabalho algum, que “os egípcios sequer conheciam a
roda, quanto menos bússolas.”!!!
Ah,
minha apedeuta, por que insiste em nos abraçar assim, em regar nosso jardim com
tanta estupidez? Pergunto-me se Uehara não se deixou levar por Glen Dash, autor
do artigo publicado no Journal of Ancient
Egyptian Architecture, do qual chupou suas garatujas, assinando-as. Certo,
a partir deste exemplo temos um parâmetro do que se oferece aos leitores todos
os dias. O lamentável é que jovens leitores, dada a condição atual de nossa
educação, acreditarão em Uehara e acharão que os belos carros egípcios expostos
no Museu do Cairo são invenções hollywoodianas.
Embora
a bússola tenha sido inventada pelos chineses muito tempo depois, talvez nós é
que não tenhamos descoberto a bússola egípcia. Digo isso porque em 1906, na
tumba de Kha foi encontrado um objeto oco de madeira com uma tampa articulada[3]
que, segundo Amelia Sparavigna, física da Politécnica de Turim, “poderia ter sido usado para determinar a inclinação de
certos ângulos. Os números se assemelham a uma bússola, com 16 pétalas
espaçadas cercadas por uma forma circular em ziguezague, com 36 cantos. Quando
o lado direito do objeto é colocado em um ângulo, Sparavigna acredita que um
fio de prumo iria mostrar sua inclinação no mostrador circular”.
Felizmente, Sparavigna nos dá um abraço de alento, negado por
Uehara! Mas Sparavigna não é jornalista! Salva pela física, acreditemos, pois,
na imprensa! Ela não mente, não pactua com os ímpios, não comete falso
testemunho! Nunca!
[1] MACHADO DE ASSIS. O jornal e o livro. Publicado originalmente no Correio Mercantil,
Rio de Janeiro, 10 e 12/01/1859.
[2]
http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/misterio-alinhamento-ramides.phtml#.WpbslejwbIX
[3]
http://antigoegito.org/artefato-egipcio-pode-ter-sido-o-primeiro-transferidor-do-mundo/
Você falou tudo. Hoje, o papel da imprensa não é mais nos apresentar os fatos como eles são. Mas, presos a grande grupos econômicos, políticos e governos, ela nos apresenta uma realidade distorcida, conforme seus interesses, ou ainda pior, mentem, sem o menor pudor. Realmente, não há mais jornalistas. Há apenas "escrevedores" (não escritores), que, além de nos passar noticias falsas, ainda, muitas vezes, cometem o pecado imperdoável de "assassinar" o português. Não leiam mais jornais: mintam para si mesmos, e preservem a lingua portuguesa.
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