Não
se pode levar tudo ao pé da letra, sobretudo quando se trata de escritores
cheios de estratagemas e artimanhas. Esqueça, por exemplo, aquele entrecho de Memórias póstumas em que uma borboleta
preta adentra o quarto de Brás Cubas, esvoaça em torno da venal e voluntariosa personagem,
pousa em sua testa, provocando-o, até que Cubas, aborrecido, lança mão de uma
toalha e atinge mortalmente o pobre lepidóptero.
Não,
não se pode ler de modo rasteiro e deduzir que Machado não dava a mínima a
esses pobres insetos cujas asas assemelham-se às palhetas de um Monet ou um Van
Gogh. De minha parte, prefiro o lado madrugador do Bruxo, revelado em uma crônica
da Semana, de fevereiro de 1893. O entrecho é delicioso: “É meu velho costume
levantar-me cedo e ir ver as belas rosas, frescas murtas, e as borboletas que
de todas as partes correm a amar no meu jardim. Tenho particular amor às
borboletas. Acho nelas algo das minhas ideias, que vão com igual presteza,
senão com a mesma graça.”
Machado
não tinha apreço só às borboletas. Curioso também é um fato ocorrido na vida do
grande escritor em fins de fevereiro de 1879. No episódio, a protagonista é
ninguém menos que Graziella, uma tenerife mimada por Machado e Carolina, sua
esposa. A cachorrinha ganhou o nome em homenagem a uma heroína romântica de
Lamartine.
Machado,
à época, adoecido, transferiu-se do Rio de Janeiro para Friburgo, onde passou
uns três meses repousando. Foi quando deixou Graziella aos cuidados de Clara,
uma empregada. Acontece que Graziella, curiosa, resolveu explorar as
adjacências e não voltou para casa.
Alarmada,
Clara entra em contato com os vizinhos, que tinham sido incumbidos pelo casal
de olharem a casa enquanto estivessem ausentes. Logo que recebe a notícia,
Machado telegrafa para amigos e lhes pede que coloquem anúncio nos jornais,
oferecendo uma gratificação de cem mil-réis àqueles que encontrassem e
devolvessem Graziella.
Assim
que recebeu o telegrama de Machado, Joaquim Arsênio Cintra da Silva, amigo do
escritor, prontificou-se em publicar anúncios no Jornal e na Gazeta,
incumbindo-se ainda de fazer outros anúncios minuciosos, logo que tivesse mais
detalhes do desaparecimento.
Nos
dias 2 e 3 de março de 1879, apareceram no Jornal
do Commercio e na Gazeta de Notícias
o seguinte texto:
Os
anúncios deram resultado, pois Graziella foi encontrada e entregue no endereço
indicado, reunindo-se ao casal logo depois de sua volta ao Rio de Janeiro.
Graziella, por sua vez, deve ter abanado o rabinho, feliz por rever o Bruxo do
Cosme Velho, que não amava só as borboletas.
Curiosa,
Graziella não quis mais saber de surpreender o escritor durante o longo tempo
em que viveram juntos.
Texto delicioso!
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