Revista Philomatica

sexta-feira, 9 de março de 2018

A fuga de Graziella, a cachorrinha de Machado de Assis


Não se pode levar tudo ao pé da letra, sobretudo quando se trata de escritores cheios de estratagemas e artimanhas. Esqueça, por exemplo, aquele entrecho de Memórias póstumas em que uma borboleta preta adentra o quarto de Brás Cubas, esvoaça em torno da venal e voluntariosa personagem, pousa em sua testa, provocando-o, até que Cubas, aborrecido, lança mão de uma toalha e atinge mortalmente o pobre lepidóptero.
Não, não se pode ler de modo rasteiro e deduzir que Machado não dava a mínima a esses pobres insetos cujas asas assemelham-se às palhetas de um Monet ou um Van Gogh. De minha parte, prefiro o lado madrugador do Bruxo, revelado em uma crônica da Semana, de fevereiro de 1893. O entrecho é delicioso: “É meu velho costume levantar-me cedo e ir ver as belas rosas, frescas murtas, e as borboletas que de todas as partes correm a amar no meu jardim. Tenho particular amor às borboletas. Acho nelas algo das minhas ideias, que vão com igual presteza, senão com a mesma graça.”
Machado não tinha apreço só às borboletas. Curioso também é um fato ocorrido na vida do grande escritor em fins de fevereiro de 1879. No episódio, a protagonista é ninguém menos que Graziella, uma tenerife mimada por Machado e Carolina, sua esposa. A cachorrinha ganhou o nome em homenagem a uma heroína romântica de Lamartine.
Machado, à época, adoecido, transferiu-se do Rio de Janeiro para Friburgo, onde passou uns três meses repousando. Foi quando deixou Graziella aos cuidados de Clara, uma empregada. Acontece que Graziella, curiosa, resolveu explorar as adjacências e não voltou para casa. 
Alarmada, Clara entra em contato com os vizinhos, que tinham sido incumbidos pelo casal de olharem a casa enquanto estivessem ausentes. Logo que recebe a notícia, Machado telegrafa para amigos e lhes pede que coloquem anúncio nos jornais, oferecendo uma gratificação de cem mil-réis àqueles que encontrassem e devolvessem Graziella.
Assim que recebeu o telegrama de Machado, Joaquim Arsênio Cintra da Silva, amigo do escritor, prontificou-se em publicar anúncios no Jornal e na Gazeta, incumbindo-se ainda de fazer outros anúncios minuciosos, logo que tivesse mais detalhes do desaparecimento.
Nos dias 2 e 3 de março de 1879, apareceram no Jornal do Commercio e na Gazeta de Notícias o seguinte texto:


Os anúncios deram resultado, pois Graziella foi encontrada e entregue no endereço indicado, reunindo-se ao casal logo depois de sua volta ao Rio de Janeiro. Graziella, por sua vez, deve ter abanado o rabinho, feliz por rever o Bruxo do Cosme Velho, que não amava só as borboletas.
Curiosa, Graziella não quis mais saber de surpreender o escritor durante o longo tempo em que viveram juntos.   

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