Revista Philomatica

sábado, 17 de março de 2018

Que graça tem a tolerância?


Parece-me, nenhuma! À primeira vista, a resposta ao título parece surpreender, afinal, na Era do Caos em que vivemos, é incontestável a militância em favor dos direitos humanos, ainda que em muitos aspectos tenhamos caminhado para trás. Hoje, para reivindicarmos alguma tolerância, sufocamo-nos em rótulos e fobias. Não bastassem os preconceitos raciais e sexuais, compartimentamos as variantes, e incitamos a militância, acreditando assim salvar o mundo da intolerância.
Para cada rótulo, seja ele racismo, homofobia, gordofobia, machismo, misoginia, misandria, sexismo, antissemitismo, misantropia, etnocentrismo, xenofobia, etc etc etc há uma antinomia propalada pela militância, lamentavelmente, por meio de discursos líquidos. Ocorre que o excesso de rótulos mais atrapalha que ajuda, isso porque os usuários se perdem na defesa de uma causa específica, relativizando as demais. Ao fazê-lo, na maioria das vezes apropriam-se das armas e métodos do opressor e/ou preconceituoso racista, capitalista, facista ista ista (sonoro isso, as pessoas adoram)!
Nas redes sociais a intolerância pulula, e não raro vem embalada em frascos diminutos contendo pequenos textos denunciatórios e opiniões disseminadas em comentários a reportagens ditas politicamente incorretas. Ao contestar o não politicamente correto, o internauta escorrega, divide o prato com o intolerante e janta do mesmo ódio. Satisfeito, não se dá conta de que sequer conseguiu disfarçar o ódio que habita sob sua epiderme.
Tratando-se de celebridades idealizadas, partidários da Escola do Ressentimento, sobretudo, cometem certo deslize e se mostram tal como são ao torcer pontos de vistas para que estes se adaptem a um discurso inconspurcado. É a velha história de ajustar a causa ao poema. Temerosos, sub-repticiamente lançam mão do “eu lírico” para justificar o que consideram politicamente incorreto, mas tudo está lá, na obra, na letra da canção! Ora, ao fazê-lo, preconizam a perfeição em seres humanos passíveis de erro! O mal, a raiva, o ódio, querido leitor, não é algo extrínseco ao homem. Muito pelo contrário! O mal tem natureza humana, senta-se à mesa do jantar, seja em lares pudicos e conservadores, seja nas moradas dos mais liberais e dedicados defensores de rótulos e minorias.
Ao reproduzir uma notícia falsa, por exemplo, no intuito de fustigar aquele que não escolheu a mesma ideologia que ele para ler e interpretar o mundo, o internauta, lá no fundo, assoma o desejo mais profundo de vergastar seu adversário. Afinal, se esquece de que toda ideologia é mentirosa e crê-se “o dono” de supostas verdades. E não falo aqui de seu desejo, também profundo, de se expor nas redes sociais como humanista bonzinho, fazendo disso um hábito fictício, não raro contagioso e, arrisco, pornográfico.
As ideias se relativizam e o que se nota é um atraso cultural, cuja pungência em nossos dias se assemelha a uma doença em estado de metástase. São opiniões e textos pautados por singular brutalidade, de valor estético rasteiro, e que creditam toda e qualquer injustiça social à luta de classes, por exemplo. O preconceito linguístico aventado pelo aluno vislumbrado com o mote da supremacia da oralidade à norma erudita beira à ingenuidade. “Bagna-se” de ideias geradas em uma diegese linguística, apartada do mundo real, esquecendo-se de que seu guru, nos momentos raivosos, clama-se pela guilhotina àqueles que não se ajustam aos seus dogmas.
Nesse panóptico digital, todos vigiam-se continuadamente e a alienação advém do fato de que para aglutinar a atenção e mobilizar seguidores e likes, o discurso torna-se amorfo, as opiniões são instáveis e os resultados são incalculáveis. Não por outra razão, tudo é fugaz e se dispersa ao sabor de novas crenças e ideologias, afinal, fatos não interessam mais, pois, estes, para o bem ou para mal, trazem a acidez da verdade. O que sobra é ler a favor de uma ideologia, algo que, trocando em miúdos, é o mesmo que não ler de modo algum!
E tudo isso, c'est pas la faute à Voltaire!



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