“O
silêncio é como um câncer que cresce”, afirma Paul Simon, na célebre canção
interpretada por ele e Garfunkel, seu amigo. Mas isso é questão de ponto de
vista. Contudo, o que se viu na última semana só comprova o dito de Simon. A
enxurrada de informação é tanta que estamos entorpecidos, o que é muito bom
obrigado àqueles que diariamente se encarregam de nos transformar em seus
títeres, sufocando-nos a garganta, impedindo-nos de gritar. Resta o silêncio.
Mas
a culpa é só deles? Ora, não! Não mesmo! Temos nos mostrado um tanto
displicentes com a vida que se esvai ao nosso lado, relapsos com a cortesia, indolentes
com a natureza, indiferentes a tudo e só preocupados com nosso próprio umbigo e
nossas ideiazinhas medíocres!
Na
Libéria, dois sapiens ofereciam uma
águia em extinção. Presa em um quintal, a ave mostrava debilidade física, asas e
alma alquebradas; a corda que a prendia ao poste não ultrapassava um metro de
extensão. Por um desses acasos que afrontam a natureza, apareceu um homem
interessado em comprá-la. Negociação realizada, a homem deu voz de prisão aos
vendedores; tratava-se de um oficial da polícia ambiental. A ave, depois de
receber cuidados médicos, ganhou a natureza. No caso, alguns sussurros
devassaram o silêncio, haja vista os sapiens
terem transformado a vida dos animais na terra em um inferno.
Ainda
esta semana, partiu Sudan, o último rinoceronte branco, representante macho
dessa subespécie. Vale destacar que os sapiens
também não proporcionaram uma vida fácil a Sudan, que passou a maior parte dela
na República Tcheca, para onde foi enviado ainda menino. Nascido no Sudão
(donde o nome), Sudan voltou para o Quênia, onde faleceu aos 45 anos. Mas, para
que chegasse a essa idade, foi intermitentemente sedado para que seu chifre
fosse cortado. Caso contrário, mesmo em santuários ecológicos, os traficantes
poderiam tê-lo matado para atender à ignorância de outros sapiens, espécie dita racional. Com a partida de Sudan, apenas o sussurro
de alguns homens e mulheres incomodaram o silêncio da grande massa amorfa e
desinteressada.
Na
Síria, crianças caem ao solo feito fruta madura ao sabor de bombas e torpedos
que irrigam o solo árido das cidades. Malgrado o ressoar local das explosões e
os gritos lancinantes da carne que sangra, e da vida que murmura por ajuda em
seus últimos instantes, nos grandes centros da Europa e da América (também a Latina),
os interesses silenciam poderosos, intelectuais e ativistas tout court.
À
espera da terra arrasada, bombas e morteiros são tomados por fogos de
artifício. Depois do longo silêncio que há de vir - e virá - com a morte de
homens, mulheres e crianças, as grandes nações e a benemérita ONU, surgirá no
horizonte pronta a tudo reconstruir. Haverá um grande ruído, que se
transformará em alarido, gritos e berros, quando todos haverão de bradar sua
comiseração e bondade. O silêncio há de ser quebrado!
No
Rio de Janeiro e em centenas de outras cidades brasileiras, jovens pobres,
homens, mulheres e crianças, quotidianamente caem como frutos podres e adentram
o silêncio da morte e o esquecimento. Os sapiens
da canaille, seja ela de Brasília,
Rio ou Maceió, recolhem-se ao silêncio. Covardemente, calam-se face ao
sofrimento e gritos lancinantes de desespero, desalento e dor! A massa,
embrutecida, prefere a hostilidade, a peleja rasteira de ideias nas redes
sociais, agredindo-se mutuamente e fazendo ecoar, cada uma das partes, o eco
triunfante da verdade, sufocando o rumorejo daqueles que, de fato, provam do
cálice amargo da perda e do sofrimento.
A
indiferença prevalece, as ideias gritam nos panfletos, os sapiens autoproclamados (ou por suas corriolas) líderes anunciam
aos berros o mundo ideal e a massa, fadada ao abandono, sussurra o som do
silêncio. A saída parece ser o clamor, ainda que silencioso, da partida.
Abraçar o silêncio, enfim!
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