Revista Philomatica

domingo, 25 de março de 2018

Sons do silêncio


“O silêncio é como um câncer que cresce”, afirma Paul Simon, na célebre canção interpretada por ele e Garfunkel, seu amigo. Mas isso é questão de ponto de vista. Contudo, o que se viu na última semana só comprova o dito de Simon. A enxurrada de informação é tanta que estamos entorpecidos, o que é muito bom obrigado àqueles que diariamente se encarregam de nos transformar em seus títeres, sufocando-nos a garganta, impedindo-nos de gritar. Resta o silêncio.
Mas a culpa é só deles? Ora, não! Não mesmo! Temos nos mostrado um tanto displicentes com a vida que se esvai ao nosso lado, relapsos com a cortesia, indolentes com a natureza, indiferentes a tudo e só preocupados com nosso próprio umbigo e nossas ideiazinhas medíocres!
Na Libéria, dois sapiens ofereciam uma águia em extinção. Presa em um quintal, a ave mostrava debilidade física, asas e alma alquebradas; a corda que a prendia ao poste não ultrapassava um metro de extensão. Por um desses acasos que afrontam a natureza, apareceu um homem interessado em comprá-la. Negociação realizada, a homem deu voz de prisão aos vendedores; tratava-se de um oficial da polícia ambiental. A ave, depois de receber cuidados médicos, ganhou a natureza. No caso, alguns sussurros devassaram o silêncio, haja vista os sapiens terem transformado a vida dos animais na terra em um inferno.
Ainda esta semana, partiu Sudan, o último rinoceronte branco, representante macho dessa subespécie. Vale destacar que os sapiens também não proporcionaram uma vida fácil a Sudan, que passou a maior parte dela na República Tcheca, para onde foi enviado ainda menino. Nascido no Sudão (donde o nome), Sudan voltou para o Quênia, onde faleceu aos 45 anos. Mas, para que chegasse a essa idade, foi intermitentemente sedado para que seu chifre fosse cortado. Caso contrário, mesmo em santuários ecológicos, os traficantes poderiam tê-lo matado para atender à ignorância de outros sapiens, espécie dita racional. Com a partida de Sudan, apenas o sussurro de alguns homens e mulheres incomodaram o silêncio da grande massa amorfa e desinteressada.
Na Síria, crianças caem ao solo feito fruta madura ao sabor de bombas e torpedos que irrigam o solo árido das cidades. Malgrado o ressoar local das explosões e os gritos lancinantes da carne que sangra, e da vida que murmura por ajuda em seus últimos instantes, nos grandes centros da Europa e da América (também a Latina), os interesses silenciam poderosos, intelectuais e ativistas tout court.
À espera da terra arrasada, bombas e morteiros são tomados por fogos de artifício. Depois do longo silêncio que há de vir - e virá - com a morte de homens, mulheres e crianças, as grandes nações e a benemérita ONU, surgirá no horizonte pronta a tudo reconstruir. Haverá um grande ruído, que se transformará em alarido, gritos e berros, quando todos haverão de bradar sua comiseração e bondade. O silêncio há de ser quebrado!
No Rio de Janeiro e em centenas de outras cidades brasileiras, jovens pobres, homens, mulheres e crianças, quotidianamente caem como frutos podres e adentram o silêncio da morte e o esquecimento. Os sapiens da canaille, seja ela de Brasília, Rio ou Maceió, recolhem-se ao silêncio. Covardemente, calam-se face ao sofrimento e gritos lancinantes de desespero, desalento e dor! A massa, embrutecida, prefere a hostilidade, a peleja rasteira de ideias nas redes sociais, agredindo-se mutuamente e fazendo ecoar, cada uma das partes, o eco triunfante da verdade, sufocando o rumorejo daqueles que, de fato, provam do cálice amargo da perda e do sofrimento.
A indiferença prevalece, as ideias gritam nos panfletos, os sapiens autoproclamados (ou por suas corriolas) líderes anunciam aos berros o mundo ideal e a massa, fadada ao abandono, sussurra o som do silêncio. A saída parece ser o clamor, ainda que silencioso, da partida. Abraçar o silêncio, enfim!

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