Admitam
ou não, a dissimulação é um dos constitutivos da natureza humana. Antes mesmo
de ensaiar seus primeiros passos, o menino já não mais choraminga para ter sua
fome saciada, mas para obter atenção. Tempos depois, correndo pelos campos,
disfarça, inventa, fantasia desejos e vontades e, para satisfazê-los, aprende a
fazer uso da máscara social.
Não
há ingênuos nesse quesito! Ainda pequeno, o menino desenvolve com insuperável
habilidade a dissimulação. Por uma razão ou outra, finge gostar ou não gostar.
Os verdes anos obscurecidos pela poeira do tempo, e ele torna-se mais cruel. O
interesse, grande vórtice que move o menino e o homem, adquire status bastante pessoal. Não raro, menino
e homem voltam o olhar oblíquo para o próprio umbigo, que subtrai não só a
visão periférica, mas faz com que ambos sequer enxerguem as pessoas à sua
frente. A eles, chamemos agora egocêntricos, egoístas.
Os
interesses, grande motor social, expandem-se, e seus tentáculos, antes
circunscritos ao privado, ampliam-se absorvendo o público. As duas bandeiras –
privada e pública – confundem-se, razão pela qual, a canalha política trata o
público como se fosse coisa sua, manipulando-a em função de seus próprios
interesses e em benefício de seus asseclas. Estes, como moscas no mel, agem nos
bastidores, executando, muitas vezes, o serviço sujo. Não à toa os portugueses
cunharam o aforismo: “Moscas apanham-se com mel, não com fel.”
Nessa
nossa Era do Caos, um desses servicinhos
sujos é a criação de notícias falsas, algo do qual tanto falei aqui. Afinal,
que mal tem? Uma mentira aqui, uma calúnia ali, um boato acolá, ora, isso não
mata ninguém! A polarização dos interesses, sob farisaísmo ideológico,
tornou-se um grande negócio. Ambos os lados fazem uso do mesmo garfo, mas juram
provar pratos diversos. Ao fazê-lo, não fazem nada além de dissimular;
sofistas, utilizam-se de argumentos especiosos na tentativa de convencer e
cooptar a massa para projetos que visam a satisfação de seus interesses. Nessa
lógica, melhor e mais eficiente que matar é inventar narrativas, na tentativa
de vergastar o opositor.
Ao
leitor nada mais resta que desconfiar de tudo e de todos. Houve um tempo em que
as pessoas davam certo crédito à imprensa, contudo, hoje, até mesmo a dita
grande imprensa deixou-se corromper. Corrigindo-me: corrompeu-se há muito
tempo, porém agora o faz de modo descarado.
A
notícia, publicada no site IssoÉNotícia, informa sobre um
levantamento realizado pela Associação dos Especialistas em Políticas Públicas
do estado de São Paulo (AEPPSP), que, a partir de critérios elaborados por um
grupo de estudo da Universidade de São Paulo (USP), o Monitor do Debate Político
no Meio Digital, identifica os maiores sites
de notícia no Brasil que disseminam notícias falsas e boatos. Estes, uma vez jogados
nas redes sociais têm efeito semelhante ao de um rastilho de pólvora.
A
notícia é velha, de janeiro do ano passado, mas como os interesses não se
avelhantam, ela foi republicada e exaustivamente compartilhada por leitores
ingênuos e sobretudo por maliciosos dissimulados de cidadãos ciosos em
esclarecer sobre a verdade dos fatos – ou pós-verdades.
Ocorre
que a notícia elenca uma série de características comuns aos sites que propagam notícias falsas e,
dentre elas, as três primeiras chamaram-me a atenção pela obviedade, mas vá lá:
1. Foram registrados com domínio.com ou.org (sem
o.br no final), o que dificulta a identificação de seus responsáveis com a
mesma transparência que os domínios registados no Brasil.
2. Não possuem qualquer página identificando seus
administradores, corpo editorial ou jornalistas. Quando existe, a página 'Quem
Somos' não diz nada que permita identificar as pessoas responsáveis pelo site e
seu conteúdo.
3. As "notícias" não são assinadas.[1]
Isto posto, bisbilhotando aqui e ali, descubro que tinha
sob os olhos uma fake news sobre fake news, só que agora em uma página
identificada! Vejam:
Monitor do debate político no meio digital a partagé sa publication.
Uma matéria de janeiro de 2017 do IssoÉNoticia sobre um suposto estudo
da USP foi reproduzida em março pela Esquerda Valente e agora mais uma vez pelo
blog Contraponto.
Atualizando
o alcance das matérias sobre o caso:
1) IssoÉNotícia: 138 mil compartilhamentos
https://www.issoenoticia.com.br/…/projeto-da-usp-lista-10-m…
2) Contraponto: 84 mil compartilhamentos
http://www.contraponto.blog.br/artigos/…/mbl-noticias-falsas
3) Pensador Anônimo: 2 mil compartilhamentos
https://pensadoranonimo.com.br/mbl-e-o-maior-difusor-de-no…/
1) IssoÉNotícia: 138 mil compartilhamentos
https://www.issoenoticia.com.br/…/projeto-da-usp-lista-10-m…
2) Contraponto: 84 mil compartilhamentos
http://www.contraponto.blog.br/artigos/…/mbl-noticias-falsas
3) Pensador Anônimo: 2 mil compartilhamentos
https://pensadoranonimo.com.br/mbl-e-o-maior-difusor-de-no…/
Identificamos outras 5 fontes que somam menos de mil compartilhamentos.
O site Esquerda Valente tirou a matéria do ar.
Mais uma vez
tentamos esclarecer o caso.
No fim de janeiro circulou uma matéria da IssoÉNotícia sugerindo que
havíamos feito um levantamento dos 10 maiores sites de notícias falsas do país.
Esclarecemos nesta página que nunca havíamos feito tal levantamento que tudo
passava de um grande mal-entendido. O site boatos.org deu uma nota sobre a notícia falsa (http://www.boatos.org/…/usp-lista-10-maiores-noticias-falsa…) e mais tarde a SuperInteressante elegeu o caso como uma das maiores
notícias falsas da internet. O site corrigiu a matéria atribuindo o
levantamento à Associação dos Especialistas em Políticas Públicas de São Paulo
(AEPPSP) que teria se embasado em nossos estudos (todos publicados nesta
página).
Ontem a página Esquerda Valente reacendeu a polêmica publicando uma
matéria com a manchete "MBL é o maior difusor de notícias falsas, conclui
pesquisa da USP" (http://aesquerdavalente.blogspot.com.br/…/mbl-e-o-maior-dif…). Hoje o mesmo Esquerda Valente insistiu e soltou outra matéria
relacionada (http://aesquerdavalente.blogspot.com.br/…/estudo-da-usp-cla…) que levou a AEPPSP a solicitar que a menção à associação fosse
retirada da matéria com a seguinte explicação: "Retiramos a publicação do
ar depois da transformação de um post que realizamos em uma notícia falsa. A
disseminação dessas informações nos traz muitos inconvenientes."
Mesmo com todo esforço em desmentir o caso, a matéria da Esquerda
Valente sobre o suposto estudo chegou a mais de 45 mil compartilhamentos e
requentou a matéria de janeiro da IssoÉNotícia que chegou a 101 mil
compartilhamentos.[2]
Não bastassem os esclarecimentos, a notícia pipocou
na última semana ao sabor dos interesses. Por isso, leitor, não importa a banda
em que toque, desconfie sempre!
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