Afirmar
que vivemos dias difíceis, soa algo redundante. Estranhos, diferentes,
esquisitos... O adjetivo que porventura possa ser colocado à frente do
substantivo “dias”, não faz lá muita diferença. Aliás, adjetivos só servem
mesmo para pesar o texto; quando atribuídos às pessoas, ajudam a criar um novo
rótulo – rótulos andam tão em moda em nossos dias -, e, com isso, mais uma
razão para que a intolerância se materialize.
Não
acredito que nossos avós, passados seus verdes anos, não verbalizassem certa
desesperança ou decepção com esse mesmíssimo clichê. Nem sempre nos damos
conta, mas o fato é que acabamos por reproduzir sistemas ad infinitum, no máximo com roupagem diferente. O esforço para
escapar da espiral deve ser quotidiano. Não parece, mas também nos grupos que
militam por causas minoritárias é frequente a reprodução de conceitos já gastos
pelo tempo, algo que, na maioria das vezes, encarrega-se pela materialização de
algum preconceito.
Qualquer
tentativa de afirmação, na prática, resvala em duas palavrinhas também já
gastas pelo uso: opinião e ideia. Da opinião, os dicionários afirmam em certo
ponto que se trata de uma ideia, teoria ou tese. Já, ideia, definem os
dicionários como maneira de ver, opinião. É claro, tudo isso corrobora o mundo
da vulgarização dos conceitos, que são utilizados exaustivamente pelos
falantes. Não que isso esteja errado, ao contrário, pode-se perfeitamente fazer
uso desses vocábulos sem qualquer prejuízo à fala.
Ocorre,
porém, que no universo das redes sociais, esfera da aversão, da injúria e do ódio,
a opinião traveste-se de ideia em seu sentido de origem, qual seja, erudito,
cujos rizomas fundam-se na filosofia. A opinião, que na filosofia recebe a
alcunha de doxa, na maioria das vezes
é uma ideia confusa, alterada, acerca da realidade, razão pela qual há se opor
a qualquer conhecimento tido como verdadeiro. E como no universo das redes
sociais tudo é subjetivo e está sujeito à dependência de atividade mental do
sujeito e de sua própria ausência – sim leitor, ausência, porque compartilhar
e opinar como se estivesse usando cabresto - o que impede a visão periférica -,
implica em ausentar-se, deixar de idear, portanto, ficar à mercê do grau de
intensidade exigido e imposto por aqueles que manobram sub-repticiamente o
mundo das opiniões.
Não
raro, quando um internauta descobre o mundo das ideias e sua mente passa a se
ocupar disso, qual seja, quando ele começa a questionar o sistema de opiniões imposto pela
maioria e disseminado pela mídia e religiões ideológicas, é expulso da conversa
e tem seu pensamento objetivo relativizado pelo grupo e/ou maioria das ovelhas.
Ora,
para Locke, por exemplo, as ideias são essenciais para a compreensão, talvez
por isso vivemos esses tempos de intenso falatório, mas poucas ideias. O fato é
que as ideias são acessíveis através de alguma inteligência e, parece-me, não
só a canalha política encarrega-se de entorpecer os cidadãos, mas estes, por si
só, contribuem em grande parte para o emburrecimento e embrutecimento geral, isto ocorre todas as vezes em que opinamos sobre coisas que não vemos e, quando as vemos,
afirmamos tratarem-se de coisas diferentes daquilo que temos frente aos nossos
olhos. Tudo isso, é claro, em benefício do politicamente correto.
Abro
um parênteses: nas vezes em que critico o politicamente correto, critico a
hiperbolização do conceito, os excessos que nos tornam cada dia mais
hipócritas e mais perversos. Nunca, afirmo, nós, brasileiros, fomos tão
bipolares e sofremos tanto com o tal do transtorno dissociativo de identidade.
Ao
refletir sobre opinião, ideia e nossa bipolaridade quotidiana, vem-me ao
espírito, é claro, Platão. Ora, o filósofo falava em um mundo inteligível, algo
que constitui uma Ideia Universal, donde provém a ideia que fazemos de alguma
coisa. Essa ideia, por sua vez, é uma projeção do saber. Explico: quando vemos
alguma coisa, nossos olhos emitem raios de luz que projetam a imagem dessa mesma
coisa, que, por sua vez, passa a existir em nós como um princípio universal,
doutrina a que chamamos idealismo.
Ocorreu-me
que muito de nossa confusão é por idealizar de modo diferente o que vemos. Aí,
dá no que dá: alguém revê uma pessoa depois de um tempo, diz a ela que a acha
mais gorda que da última vez em que se viram, e pronto: a polêmica está
instalada! Outra pessoa, que também já foi gorda um dia, mas gastou tempo e
dinheiro para perder um pouco de suas substâncias
untuosas, sai em defesa da primeira, que um dia se olhou no espelho, projetou
um saber diferente e idealizou-se bem mais leve e por isso, só por isso, não gostou de ouvir
que está mais gorda. Fiz me entender? Pois é, talvez o mesmo tenha acontecido nas redes sociais em relação à polêmica da semana. Por isso, decreto o fim
das balanças – e dos espelhos. Ah, e das ideias, afinal, gostamos mesmo é de
opinar!
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