Foi-se
Philip Roth e, uma vez o corpo frio, a imprensa encarregou-se de comentários e rever
sua biografia. O que sai, evidentemente, não são as ditas pérolas que se dá aos
porcos. A inversão é total! Porcos encarregam-se de ilustrar o leitor,
oferecendo-lhe resenhas de três linhas e dizendo o porquê de se ler Roth.
É
possível que alguma publicação séria dedicada à literatura, algo raro e fadado
ao insucesso tal a escassez de leitores, tenha dedicado alguns ótimos
parágrafos ao ilustre Roth. Mas, tomando-se a folha a serviço do partido,
foda-se o leitor!
De
O Complexo de Portnoy, por exemplo, o
primeiro romance que trouxe alguma notoriedade a Roth, a profunda análise do
jornalista resume-se a dizer que a personagem masturba-se obsessivamente a
ponto de usar um fígado cru. O leitor, diante do texto bem construído
pergunta-se, evidentemente (mais um!), como Portnoy usava o fígado: envolvia a
glândula do pênis com esta outra glândula mais volumosa e, sobre as duas, a mão,
metacarpos e dedos em movimento? Ou esfregava ambas as glândulas até que, por
fricção, o gozo jorrasse de uma delas imiscuindo-se na outra e produzindo tons
róseos, mistura de sangue e sémen? Vá lá, poderia continuar por mais alguns
parágrafos respeitando a toada do tal jornalista, mas prefiro poupá-lo, leitor.
Um escritor como Roth merecer isto?
Ao
menos, diante de tanta derrapagem tupiniquim, seus conterrâneos, aparentemente
mais lúcidos ao escreverem, não demonstram fazer uso da erva estragada consumida
pelo estagiário que não assinou a matéria. Diz-se que o bumerangue sempre volta
à origem: é provável que você, leitor, ao ler estas garatujas, pergunte-se se
também não a usei. Pois, afirmo, não consumo outro mato que os vegetais escuros:
couve, espinafre, brócolis..., creia-me!
Pois
bem, Bloom elevou Roth ao ápice da Literatura Americana, afirmando ser ele seu
mais notável representante desde a morte de William Faulkner. “Ele representa o
dilema do homem moderno e dos seres humanos de todas as nações. Ele certa vez
definiu o homem como um monte de argila com aspirações, penso que não há
definição melhor. Uma vez, durante uma palestra que demos a uma plateia
furiosa, ele me acalmou dizendo que aquilo era o lema dele. Ele se voltou para
mim e disse que estamos aqui para sermos insultados. Era esse o seu humor negro
e sua inteligência.”, conta Bloom.
É
provável que Bloom tenha dito isso porque a obra de Roth causa aquela
estranheza, aquela originalidade que temos dificuldade em assimilar, ou, quem
sabe, nos assimila a tal ponto que sequer notamos nela o que há de estranho – e
aqui, rendo-me ao estagiário que, a essa hora já deve ter provado da estranha
maciez do fígado.
Bloom
afirmou ainda que Roth é um dos prováveis autores a entrar para o cânone
ocidental. Bem, de certo modo isto é condenar Roth ao esquecimento, ao menos
para a tribo multiculturalista. Razões não faltam: Roth é branco, americano e
homem! Ingredientes não faltam. Ademais, recorro ao próprio Bloom que
identificou nos críticos ao cânone a insistência em afirmar que sempre há uma
ideologia envolvida na formação de um cânone, o cânone é um ato ideológico em
si.
Não
discordo: afinal, toda literatura tenta, de algum modo, tornar-se cânone e,
considerando-se a ideologia multiculturalista, que despreza o valor estético,
engendrado pelo eu individual, as
interconexões entre artistas e as influências advindas da interpretação, temos
o que temos aí, pseudocânones representando tribos e não o homem em sentido
lato.
Mas
deixemos essa dita cozinha literária para lá. Paul Auster e Blake Baily, seu
biógrafo, também sentiram sua partida. Auster, ao lamentar a morte do amigo,
comenta: “Eu sabia que ele estava morrendo, eu era amigo dele.”
Eu,
ao conhecer parte do mecanismo nas faculdades de letras, vejo a literatura tout court arfando, quase arquejada,
justamente por aqueles que se intitulam seus mais eleitos expertises! Ah, o ego
– tão literário isso!
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