Agnès
Varda e Nana Caymmi, mulheres e artistas geniais, o que têm em comum? Pouco, é
claro, considerando-se que desenvolveram suas obras em esferas diferentes das
artes e a quilômetros de distância uma da outra. O fato é que ao longo da
semana ambas foram notícia; ambas, ressalto, têm em comum algo que as iguala,
são pilares de uma memória que desaparece sob nossos olhos.
Nana,
em deliciosa entrevista dada a Folha,
conta um pouco de suas aventuras, dispara sua espingarda de dois canos, acerta
Gil, Caetano e Chico, chamando-os todos de “chupadores de pau de Lula” e, de
quebra, acerta também Belo, o pagodeiro cujo nome é mesmo Pires Vieira. (O
porquê de ele ter adotado a alcunha de “Belo” é algo que me atormenta de um
jeito, meu Deus; o nome não se ajusta à figura...). Vá lá, de Belo, Nana Caymmi
lamenta o fato de as netas ouvirem o tal cantor, lastimando nas entrelinhas uma
cultura popular que desaparece, que se esvai, acantonada pela indústria, a cultura
de massa que emburrece a massa, fazendo-a a cada dia mais bovina, gado que
sequer passará nos projetos do futuro.
Pois
é, estamos todos no caminhão desgovernado que desce a ladeira: eu, você, Lindo,
quer dizer, Belo, Nana e o blogueiro Chico Barney, que alfinetou Nana,
conclamando-a a respeitar o pagodeiro. Barney, o blogueiro, não contente em
tratar Belo como um “grande vulto da música brasileira”, detentor de uma “obra
poderosa”, comparou-o a Dorival Caymmi. O que dizer ao blogueiro? “Menos, rapaz,
menos, para tudo há limites!”
Por
outro lado, Nana ombreia Agnès porque – como disse - também é parte de uma
memória que se acaba, uma cultura que não mais se encaixa no reducionismo do
pensamento cultural contemporâneo, ambas são resquícios de uma cultura que
justapõe a tensão entre fazer e ser feito, algo que compreende racionalismo e
espontaneidade e de certo modo intervém positivamente na cognição do indivíduo.
Agnès
Varda morreu na quinta-feira. Agnès Varda foi uma das pioneiras da revolução
cinematográfica francesa dos anos de 1960, cineasta de Cléo de 5 à 7 e Sans toit ni
loi. “Eu deveria parar de falar de mim mesma, e aqui estou eu, tenho que me
preparar para me despedir", disse Agnès Varda, há um mês no Berlinale, ao
anunciar sua aposentadoria artística. Hoje suas palavras ressoam como profecia.
Internacionalmente
conhecida, Varda foi uma das raras mulheres cineastas da Nouvelle Vague e construiu uma obra original, pioneira, na
fronteira entre o documentário e a ficção e que resultou em trabalhos como Cléo de 5 à 7 (1962), Sans toit ni loi (1985), Les Glaneurs et la Glaneuse (2000), Les Plages d’Agnès (2009) e Visages, villages (2017). Seu último
trabalho foi o documentário Varda par
Agnès, apresentado no último Festival de Berlin.
Mas
quem se importa com Varda? Quem se importa se Nana Caymmi canta Tito Mardi e na
sequência vai gravar Tom Jobim, quem se importa? Quem foi Tito Mardi? Quem foi
Tom Jobim? A cultura não quer saber. Quem foi Agnès Varda? Quem viu alguma
sequência de Sans toit ni loi, filme
que deu o Leão de Veneza à cineasta, em 1985?
Varda,
Mardi, Jobim e Nana? Quem foi essa troupe
esquecida da memória? Pouco importa; o que importa (a notícia mais lida) é a
festa da Anitta. Qual é a ideia de cultura? Nós trópicos, Eagleton, é isso: cultura
é arrastar o traseiro do asfalto! Mas quem se importa?
Nenhum comentário:
Postar um comentário