Revista Philomatica

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A internacionalização da Amazônia


Ô semaninha agitada essa! Com o fogo ardendo a floresta, a fumaça tornou-se estratosférica e tóxica. Não bastassem o monóxido de carbono e outros compostos químicos prejudiciais à saúde, a polarização gerada pelos incêndios acrescentou à fumaça alguma bílis, rancor, desinformação, muita falta de educação e boa dose de colonialismo. Sim, os interesses sempre falam alto nessas situações e o representante do país da liberté, égalité e fraternité, saudoso dos tempos em que o colonizador transferia sábios en mission para as incultas colônias, botou as garrinhas de fora.
Por outro lado, na réplica, um representante tupiniquim desinformado, inexperiente e obtuso, que alimentou o fogo e a fumaça com sua costumeira grosseria. Deu no que deu. O assunto foi o mais discutido, o mais escrito e o mais comentado pela turba que povoa o espaço das redes sociais. Enfim, não preciso retomar a opinião de Umberto Eco sobre a capacidade cognitiva da fauna que o habita...
Em meio a toda essa balbúrdia, alguns desencavaram um texto de Cristovam Buarque, insigne representante da política torva e sanhuda, mas também professor e engenheiro. Lúcido cidadão, parece-me. Buarque, que estava em uma universidade americana, ao ser perguntado sobre a internacionalização da Amazônia por um aluno que dissera querer ouvir a resposta não de um brasileiro, mas de um Humanista, respondeu:

De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.
Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.
Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço.
Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural Amazônico, seja manipulado e instruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.
Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.
Defendo a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de comer e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa!”
Publicado originalmente em https://www.z1portal.com.br/a-internacionalizacao-da-amazonia/

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