Revista Philomatica

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Emília não é a mais esperta!


Houve um tempo em que as crianças dançavam menos funk e liam mais livros.  Muitas dessas crianças começavam seu percurso de leitor com as obras de Monteiro Lobato nas mãos. O Sítio do Picapau Amarelo, lugar mágico e encantado, era onde todas as crianças queriam estar. Lobato, dentre tantas coisas, tinha como matéria-prima o sonho e ali no sítio, Emília, a boneca mais esperta de todas, Visconde de Sabugosa, Pedrinho, Narizinho, Zé Barnabé, Cuca, o Saci, Tia Anastácia, Dona Benta e outras personagens faziam a imaginação dos jovens leitores girar a mil. Nada era empecilho para a fantasia: quando se interpunha alguma dificuldade, estava lá o pó de pirlimpimpim (que os puristas do politicamente correto querem banir porque, uma vez recuperados, não suportam nada que os faça lembrar das carreirinhas da juventude).
Mas Emília deixou de ser a boneca mais esperta de todas, perdeu para Pedro Bandeira que, tão logo ouviu o tilintar do martelo a declarar a obra de Lobato domínio público, entreviu a oportunidade de ganhar uns caraminguás e engordar ainda mais a burra com a criatividade alheia.
Não vou tratar aqui do mau-caratismo revisionista, que apaga a memória em proveito de ideologias (até mesmo porque já falei disso antes nesta coluna), mas do oportunismo de Pedro Bandeira, mosqueteiro do bom-mocismo, que, ao suprimir algumas frases (e personagem) de Lobato, tascou seu nome na capa de Narizinho a menina mais querida do Brasil (título criado por Bandeira ao estropiar Casamento de Narizinho, Reinações de Narizinho, Narizinho arrebitado etc) e se apropriou da inventividade, inteligência e talento de Lobato sob a alegação de “limpar” a obra de lobatiana, constituindo-se em mais um caso em que o sub-reptício interesse pelo vil metal faz da luta por uma causa metonímia para o uso descarado do plágio. Trocando em miúdos, no quesito esperteza Bandeira passou a perna na Emília.
Ouvi dizer que Pedro Bandeira é fã assumido de Lobato. Não acredito! Se é fã, por que desossar, desfolhar, encurtar, suprimir, destruir a obra do autor? Para atender e se ajustar à bandeira da militância e com isso ganhar um dinheiro a mais? A questão do racismo pode e deve ser discutida e refletida a partir da obra e não suprimindo trechos! Isso é mau-caratismo! Há um blogueiro que, referindo-se às interferências de Bandeira, afirmou que este deu uma “arejada” na obra, driblando o racismo. Famelizar e desmontar a obra de Lobato, suprimir Pedrinho da narrativa sob a alegação de que se trata de uma personagem fraca e, de quebra, sustentar que “todas e cada uma das personagens lobatianas são apenas coadjuvantes e ou figurantes dessa maravilhosa e apaixonante menininha” [Narizinho], ora, convenhamos, escritor algum precisa de um fã como este, melhor são os inimigos que, lendo-o mal, lançam mão de práticas intolerantes e medievais para pleitear a queima de seus livros.
Antes que conclua: o que dizer depois de Bandeira afirmar que Narizinho é, ao lado de Capitu, a grande personagem da Literatura Brasileira? Sem querer fazer o que Bandeira fez com Pedrinho, penso que Narizinho seja uma importante personagem, mas não se compara a Capitu, de modo que o comentário, parece-me, senão um mau conhecimento da Literatura Brasileira, algum problema com a qualidade do pó de pirlimpimpim.
Por fim, finalizo com as palavra de Bradbury em seu posfácio “Coda”, a Fahreinheit 451, quando o autor comenta as ablações efetuadas em contos de Twain, Irving, Poe, Maupassant e Bierce: “cada minoria, seja ela batista, unitarista; irlandesa, italiana, octogenária, zen-budista; sionista, adventista-do-sétimo-dia; feminista, republicana; homossexual, do evangelho-quadrangular, acha que tem a vontade, o direito e o dever de esparramar o querosene e acender o pavio. Cada editor estúpido que se considera fonte de toda a literatura insossa, como um mingau sem gosto, lustra sua guilhotina e mira a nuca de qualquer autor que ouse falar mais alto que um sussurro ou escrever mais que uma rima de jardim de infância.”
Por isso, em tempos de bandeiras, menos Bandeira e mais Lobato!


Foto: Rede Globo, série infantil.



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