Ontem,
recebi uma mensagem supostamente extraída do Twitter de Marcelo Crivella (claro, mais uma fake news elaborada pelos internautas, porém, deliciosa), em que o
tosco, comenta: “A culpa dos jovens estarem virando gays é desses homens
sarados e gostosos.” Ri, como muita gente riu, mas, pensando bem, o escárnio
traz um fundo de verdade: alguém eleito para administrar uma cidade, por sinal,
falida, e não o faz, mas passa a maior parte do seu tempo tentando regular o
fiofó do cidadão, parece-me um daqueles casos em que o populacho pede ao indivíduo
que saia do armário.
Ao
ler sobre a lambança de Crivella, lembrei-me da canção e pensei: por que não beijar
Crivella, ridicularizar a ordem, apostar na orgia, no bacanal, na carne vicejante,
no carnaval, comê-lo pela frente e pelo verso, comê-lo cru?
Não
bastasse Brasília, notória exportadora de lambanças, Crivella também foi
notícia no exterior, expondo novamente, é claro, o país ao ridículo. E tudo por
causa de um beijo entre homens em uma história em quadrinhos. Crivella, furiosa, em um gesto democrático, subiu
nas tamancas, bateu o cabelão, chamou seus bofes e decidiu proibir a venda de Vingadores: a cruzada infantil, obra à
venda na Bienal do Rio. Antes que continue, nem é preciso dizer que o tiro saiu
pela culatra: a visibilidade dada ao livro foi imensa, a procura enorme, enfim,
um merchandising que certamente a
editora não teria cacife para bancar; hoje, por exemplo, só o download do livro na rede não sai por menos
R$ 250,00.
A
polêmica, inesperada, agitou a Bienal do Livro do Rio: funcionários da
prefeitura circulando pelos corredores da Bienal, os holofotes da imprensa, jornalistas,
fotógrafos, a militância, enfim, a espetacularização da mediocridade. O prefeito,
conhecido por sua homofobia, que já descreveu em um livro - sim, infelizmente
livros tornam-se objeto de obscurantismo - a homossexualidade como um “terrível
mal”, ordenou aos organizadores que cobrissem cada exemplar com um plástico
preto e um aviso - algo como aquelas embalagens de veneno, cujas tarjas e a
imagem de uma caveira, alertam o comprador de que o conteúdo é mortal. Diante
da recusa, o que fez o prefeito? Mandou a polícia apreender todos os exemplares
à venda.
Crivella,
ao lançar mão da censura, sob a falácia de defender a Moral, a Religião e o
Estado, afirmou que visava proteger os menores. O vereador Alexandre Isquierdo,
por sua vez, lançou mão de sua conta no Instagram
para acusar a Marvel de “propagar o homossexualismo para as crianças”. Ambos,
prefeito e vereador partilham a visão de que a decisão de censurar e recolher
os quadrinhos na Bienal tinha apenas um objetivo: cumprir uma lei e defender a
família!
E,
como nesses shows midiáticos sempre há uma raposa à espreita, à espera das uvas
que pendem dos cachos em meio à confusão, não deu outra: o youtuber Felipe Neto que, dizem, é seguido por mais de 34 milhões
de assinantes (U. Eco e Carpeaux é que tinham razão... - de quebra, brindo-os com
Nelson Rodrigues: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade,
mas pela quantidade. Eles são muitos.”), comprou 14.000 livros com conteúdo
relacionado às comunidades LGBT e os distribuiu gratuitamente na Bienal, todos
embrulhados em plástico preto.
Contudo,
não se engane: caso não esteja entre os 34 milhões de seguidores e procure por
vídeos de Neto no Youtube, é provável
que tenha lá seus anseios de bater com a cabeça na primeira quina que encontre pelo
caminho. A militância do moço é extemporânea, como aqueles furúnculos que
aparecem do nada, bem perto do joelho. Mas está valendo! Só pelo fato de
escolher como alvo figuras sombrias do cenário político e expor suas
estupidezes.
Crivella
atacou a liberdade de expressão, mas, parece-me, isto é algo que os governos
atuais não têm ideia do que seja. Mariana Zahar, vice-presidente da SNEL,
indignou-se com Crivella e afirmou que “desde a ditadura a gente não vive o que
estamos vivendo agora [...] a censura é com a literatura, com os livros”,
reiterando que a Bienal é um símbolo da diversidade.
Até
mesmo a Folha de São Paulo - que
agora tenta assumir ares de esquerda, mas na França, por exemplo, foi chamada
de centrista - publicou a imagem do beijo interdito, na tentativa de alertar as
pessoas para os perigos da censura.
Feito
isto, começou a guerrinha jurídica – diga-se, nada imparcial, em razão dos
asseclas que povoam o mundo polarizado da política e do judiciário. No sábado,
dia 6, alguns dias após o início da controvérsia, um tribunal decidiu a favor
de Crivella, afirmando que a revista em quadrinhos destinada a jovens leitores
não deveria abordar questões relacionadas à sexualidade sem aviso prévio. Nada
mais compreensível, afinal, o sexo dos velhos é o poder. Também, questão de
gravidade. Vale ressaltar que a decisão foi anulada pelo STF. O juiz que
decidiu a favor da não proibição, mais sujo que pau de galinheiro, resolveu
usar seus dois neurônios, de modo que você leitor já pode adquirir o livro, o
gibi, seja lá o que for.
Em
tempo: ao perguntar a um amigo sua opinião sobre o livro, ouvi: “bobinho, muito
bobinho”, de maneira que achei ter havido uma tempestade em copo d’água.
Por
fim, lembrei-me de um beijoqueiro que tomava de assalto as celebridades, isso
há uma ou duas décadas... Como protesto, lanço a hashtag #vamosbeijarcrivella.
Publicado originalmente em https://www.z1portal.com.br/vamos-beijar-crivella/
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