Revista Philomatica

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Vamos beijar Crivella


Ontem, recebi uma mensagem supostamente extraída do Twitter de Marcelo Crivella (claro, mais uma fake news elaborada pelos internautas, porém, deliciosa), em que o tosco, comenta: “A culpa dos jovens estarem virando gays é desses homens sarados e gostosos.” Ri, como muita gente riu, mas, pensando bem, o escárnio traz um fundo de verdade: alguém eleito para administrar uma cidade, por sinal, falida, e não o faz, mas passa a maior parte do seu tempo tentando regular o fiofó do cidadão, parece-me um daqueles casos em que o populacho pede ao indivíduo que saia do armário.
Ao ler sobre a lambança de Crivella, lembrei-me da canção e pensei: por que não beijar Crivella, ridicularizar a ordem, apostar na orgia, no bacanal, na carne vicejante, no carnaval, comê-lo pela frente e pelo verso, comê-lo cru?
Não bastasse Brasília, notória exportadora de lambanças, Crivella também foi notícia no exterior, expondo novamente, é claro, o país ao ridículo. E tudo por causa de um beijo entre homens em uma história em quadrinhos. Crivella, furiosa, em um gesto democrático, subiu nas tamancas, bateu o cabelão, chamou seus bofes e decidiu proibir a venda de Vingadores: a cruzada infantil, obra à venda na Bienal do Rio. Antes que continue, nem é preciso dizer que o tiro saiu pela culatra: a visibilidade dada ao livro foi imensa, a procura enorme, enfim, um merchandising que certamente a editora não teria cacife para bancar; hoje, por exemplo, só o download do livro na rede não sai por menos R$ 250,00.
A polêmica, inesperada, agitou a Bienal do Livro do Rio: funcionários da prefeitura circulando pelos corredores da Bienal, os holofotes da imprensa, jornalistas, fotógrafos, a militância, enfim, a espetacularização da mediocridade. O prefeito, conhecido por sua homofobia, que já descreveu em um livro - sim, infelizmente livros tornam-se objeto de obscurantismo - a homossexualidade como um “terrível mal”, ordenou aos organizadores que cobrissem cada exemplar com um plástico preto e um aviso - algo como aquelas embalagens de veneno, cujas tarjas e a imagem de uma caveira, alertam o comprador de que o conteúdo é mortal. Diante da recusa, o que fez o prefeito? Mandou a polícia apreender todos os exemplares à venda.
Crivella, ao lançar mão da censura, sob a falácia de defender a Moral, a Religião e o Estado, afirmou que visava proteger os menores. O vereador Alexandre Isquierdo, por sua vez, lançou mão de sua conta no Instagram para acusar a Marvel de “propagar o homossexualismo para as crianças”. Ambos, prefeito e vereador partilham a visão de que a decisão de censurar e recolher os quadrinhos na Bienal tinha apenas um objetivo: cumprir uma lei e defender a família!
E, como nesses shows midiáticos sempre há uma raposa à espreita, à espera das uvas que pendem dos cachos em meio à confusão, não deu outra: o youtuber Felipe Neto que, dizem, é seguido por mais de 34 milhões de assinantes (U. Eco e Carpeaux é que tinham razão... - de quebra, brindo-os com Nelson Rodrigues: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.”), comprou 14.000 livros com conteúdo relacionado às comunidades LGBT e os distribuiu gratuitamente na Bienal, todos embrulhados em plástico preto.
Contudo, não se engane: caso não esteja entre os 34 milhões de seguidores e procure por vídeos de Neto no Youtube, é provável que tenha lá seus anseios de bater com a cabeça na primeira quina que encontre pelo caminho. A militância do moço é extemporânea, como aqueles furúnculos que aparecem do nada, bem perto do joelho. Mas está valendo! Só pelo fato de escolher como alvo figuras sombrias do cenário político e expor suas estupidezes.
Crivella atacou a liberdade de expressão, mas, parece-me, isto é algo que os governos atuais não têm ideia do que seja. Mariana Zahar, vice-presidente da SNEL, indignou-se com Crivella e afirmou que “desde a ditadura a gente não vive o que estamos vivendo agora [...] a censura é com a literatura, com os livros”, reiterando que a Bienal é um símbolo da diversidade.
Até mesmo a Folha de São Paulo - que agora tenta assumir ares de esquerda, mas na França, por exemplo, foi chamada de centrista - publicou a imagem do beijo interdito, na tentativa de alertar as pessoas para os perigos da censura.
Feito isto, começou a guerrinha jurídica – diga-se, nada imparcial, em razão dos asseclas que povoam o mundo polarizado da política e do judiciário. No sábado, dia 6, alguns dias após o início da controvérsia, um tribunal decidiu a favor de Crivella, afirmando que a revista em quadrinhos destinada a jovens leitores não deveria abordar questões relacionadas à sexualidade sem aviso prévio. Nada mais compreensível, afinal, o sexo dos velhos é o poder. Também, questão de gravidade. Vale ressaltar que a decisão foi anulada pelo STF. O juiz que decidiu a favor da não proibição, mais sujo que pau de galinheiro, resolveu usar seus dois neurônios, de modo que você leitor já pode adquirir o livro, o gibi, seja lá o que for.
Em tempo: ao perguntar a um amigo sua opinião sobre o livro, ouvi: “bobinho, muito bobinho”, de maneira que achei ter havido uma tempestade em copo d’água.
Por fim, lembrei-me de um beijoqueiro que tomava de assalto as celebridades, isso há uma ou duas décadas... Como protesto, lanço a hashtag #vamosbeijarcrivella.





Publicado originalmente em https://www.z1portal.com.br/vamos-beijar-crivella/

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