À
época das ideias positivistas, teorias e argumentos, uma vez submetidos a
métodos científicos válidos, tornavam-se irrefutáveis. Até mesmo a cultura
surgia impositiva, considerando-se que havia freios à arbitrariedade de ações e
crenças. Tudo isso perdeu-se na poeira dos tempos.
Vivemos
tempos de extremado relativismo, tudo pode e não pode ser, enfim, a marca de
nossa existência holográfica. O que você vê não é real. O que você lê não tem
lastro. Fatos não existem mais, foram extintos pelo poder da opinião. São Tomé,
insurreto em sua fé, jamais tocaria as chagas do Mestre; quando muito, viveria da
exponencial dúvida que é a existência, obrigando-se a beliscar a própria carne
para provar da sua materialidade.
Antes,
a virtù visiva dava alguma garantia
do real, ou da representação dele, seja lá o que isso for; hoje, vemos o que
inexiste e, se existe, quando pode ser tocado - ou lido -, foi criado com o simples
propósito da trapaça, do engano, para nos desviar daquilo que intencionalmente
não querem - ou querem - que vejamos.
Vou
a Pasárgada com a alma leve, mas não vou a Brasília, recuso-me. Caso me
atrevesse comentar a estripulias das canalhas legitimadas que lá habitam, me embrenharia
por um pessimismo que sequer o filósofo de Dantzig suportaria. Mas esqueça o
preâmbulo, caro leitor, e vamos ao título.
Não
sou expert em jornalismo, como também
duvido que o seja a maioria que opina nos periódicos atuais. Tento ler a obra
antes da crítica, e vá lá, às vezes sinto-me credenciado a dar meus pitacos.
Vamos
aos fatos e opiniões: um fato é algo que aconteceu na realidade, e opinião, o
que se pensa a respeito, uma interpretação. Eis a liçãozinha básica. Ocorre que
nem todos recontam o fato do mesmo modo e é aí que, de modo sorrateiro, a
opinião mete o bedelho; seja pela organização das ideias, seja pelo modo seletivo
com que a informação vem à luz, priorizando a opinião do autor.
Fato
e opinião se embrenham de tal modo que, relativizados, entram em conflito. Hoje,
é comum ver a opinião galgar degraus, pisotear os fatos. Não que se deva
priorizar um em detrimento do outro, mas é fato que não se condena um
assassino, por exemplo, pela antipatia que o dispunha contra a sua vítima, mas
pelo fato de tê-la mandado sem um reles óbolo, visitar Caronte.
E
não é que a memória me traz de arrasto aquela senhora acriana, cujo marido fez
fortuna à custa de umas poucas toras de mogno (mais um caso, dizem, em que confundiram
fato e opinião)? Lá pelas tantas, antes da tragédia de Mariana, gozando da
alcunha de ambientalista, bradou contra a arrogância e a esperteza dos fatos objetivos,
derivados de um positivismo rudimentar, afirmou ela, que se julgam superiores à
opinião, esta, vista como mera suposição subjetiva. Diz ela que os fatos,
seletivos, surgem para sustentar opiniões baseadas em interesses próprios e
objetivos.
Nessa
toada, o que se vê é a opinião maculada pelo objetivismo dos interesses, e o
fato, outrora objetivo, ganhar subjetividade em consonância com o discurso e os
interesses nele impressos. Alienados, os fatos tornaram-se massa de manobra, tanto
é que hoje podem ser mesmo alternativos, virtuais; já a opinião vestiu-se de
certa nobreza, em conformidade à relevância da posição de seu enunciador (na
política, quase sempre pautada pela mediocridade, inexplicavelmente move
multidões).
Parece-me
que nós, o populacho, hora ou outra dependemos desse maná para sobrevivermos no
deserto. Ao longo da travessia, olhos e mentes turvados pela areia, guiamo-nos pelo
vulto da opinião, na qual acreditamos piamente, investindo-a de verdade. Isto
posto, agimos como aquela personagem de Ponson du Terrail, o sr. Williams, para
quem os homens deixam de acreditar nas verdades que afirmam em demasia.
Assim,
chegamos à pós-verdade, comportamento que faz com que o homem se recuse a
acreditar naquilo que está diante dos seus olhos, no que já foi provado por A
mais B. Na era da pós-verdade, acredita-se naquilo em que se quer acreditar. O
resultado, creio, é nefasto: políticos já não são mais políticos, mas gestores;
quando investigados pelo desvio de milhões, se dizem inocentes; condenados
pelos mesmos crimes, se dizem injustiçados, perseguidos; tratando-se da
ineficiente máquina pública, os responsáveis, quando entrevistados, garantem
sua excelência e plena funcionabilidade; a população, de um lado, morrendo à míngua,
reclama da ausência da polícia, do outro, a polícia afirma sua onipresença e eficiência;
ministros cujas obras são referências, são pegos por plágios, mas continuam
referências; doutores se dizem doutores, mas desconhecem o conteúdo de suas
teses, pois jamais as escreveram; candidatos comemoram vitórias em concursos
públicos, mas seus nomes já haviam sido escolhidos à socapa antes mesmo da
realização das provas e così via. E
acreditamos!
Hoje,
desconfiei dos céus: as nuvens espessas prometiam chuva, porém, o sol rompeu-se
abruptamente, rasgou o enorme aglomerado de gotas em suspensão, mostrou-se atrevido;
ainda assim, acreditei que chovia, senti as gotas d’água que escorriam pelo meu
rosto, gotejavam dos lábios e deslizavam até meu peito gotículas de pós-verdade.
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