Ítaca ou Pasárgada? As notícias da semana, em grande parte
protagonizadas pela canaille, não nos deixam dúvida: devemos fugir.
Antes que escolha entre Ítaca ou Pasárgada, as sinapses me trazem aos ouvidos a
canção de G. Gil. Ocorre que a canção é de um lúdico rasteiro, nem mesmo serve
para alentar qualquer espírito já turvo e lesionado por falta de oxigênio. A canaille nos
rouba o ar e não temos herói que nos liberte ou louco que nos traga à sanidade.
Fugir? Para onde? Ítaca é um longo caminho de volta. Não à toa Penélope
ali esperou por Ulisses por mais de uma década. A viagem até Ítaca é repleta de
aventuras; encontramos ciclopes pelo caminho. Porém, não ligamos, pois a poeira
dos tempos encarregou-se de apagar de nossa memória Polifermo e tantos outros
que, com Hefesto, forjavam os raios usados por Zeus.
Perdemos toda e qualquer nobreza mítico-literária, já não há mais deuses
e semideuses, somos todos iguais em nossa utópica república do politicamente
correto. Incoerentes, vivemos em meio a uma violência moral, em que a notícia e
o fato cruento surgem implacáveis e impiedosos. Hoje, forjam-se raios em mãos
moral e profundamente comprometidas. Nossos ciclopes continuam a ser divididos
entre os de primeira e os da nova geração, contudo, travestidos de vampiros,
sugam-nos o sangue e a alma, tratando-nos com extrema indiferença.
A estrada, sabemos, é longa: mais ou menos setenta, oitenta anos, e
atravessamo-la a trancos e barrancos. As manhãs de verão são muitas, mas a
alegria de ver novos portos é sempre uma incógnita. Por mais que conheçamos
outras paragens, não devemos perder Ítaca de vista, pois nosso destino será
nosso alento. Como dizia o poeta, ainda que Ítaca não nos dê muitas riquezas,
ela nos dará uma bela viagem, ademais, sem ela não teríamos partido.
Seja a pé, seja de trem, mesmo se Ítaca nos parecer pobre, ela nos terá
feito sábios, e, por causa dela, teremos vivido uma vida plena e intensa. O
mesmo ocorrerá se decidirmos por Pasárgada, esse país de delícias imaginado
pelo poeta.
Contudo, só vamos para Pasárgada porque aqui não somos felizes e também
porque lá somos amigos do rei. Por isso importa a viagem. “E quando eu estiver
mais triste/ Mas triste de não ter jeito/ Quando de noite me der/ Vontade de me
matar”... Ah, Bandeira! Se tivesses lido o que li hoje... Ficarias mesmo muito
triste ao ver que chegamos onde nunca imaginaste...
Veja você leitor: em Luiziana, um pequeno vilarejo no centro-oeste do
Paraná, o ex-prefeito José Claudio Pol, também conhecido por Claudião tornou-se
réu por homicídio e peculato em uma ação criminal. Até aí nada de novo, afinal,
políticos tornarem-se réus já é lugar-comum no noticiário nacional. O
estranhamento, no caso, vem da própria imprensa ao relatar tais peripécias nas
páginas de política e não nas páginas de polícia.
Bem, o vilarejo em que Claudião reinava possuía um só cilindro de
oxigênio móvel da unidade de saúde, e não é que Claudião, também cachaceiro,
tomou emprestado o tal do cilindro da unidade de saúde para bombear chope em
sua festinha particular? Tudo passaria desapercebido não fosse uma paciente
inoportuna que resolvera passar mal justamente enquanto Claudião e sua prole
sorviam do chope bombeado com o oxigênio que, surrupiado da paciente, obrigou-a
a apressar sua visita ao Hades.
O irônico é que na foto publicada pelo familiares de Claudião, o
cilindro está logo abaixo de um quadro que exibe o rosto do Cristo entalhado em
madeira. Ainda que de muito mal gosto, a representação do Mestre não deixa de
ressaltar a nulidade de seus conselhos, ao menos para Claudião, o fariseu, que,
pelo menos por enquanto, não se encaixa bem na historieta do filho pródigo,
pois antes terá que se ver com a justiça.
Como vês, leitor, a saída é fugir: seja voltar a Ítaca, de onde nunca
deveríamos ter saído, seja para Pasárgada, onde somos amigos do rei. Deixemos a
pátria mãe gentil; distraída, se Claudião lançar nova candidatura em 2018, ela
o receberá de braços abertos. Hipócritas, bradamos alguma dose de moralidade,
mas gostamos mesmo é de uma boa patifaria. O STF está aí e não me deixa mentir.
2018 está às portas!
Mas não nos condenemos! Não somos muito diferentes de outros povos,
afinal, há mais de dois mil anos libertaram Barrabás!
Imagem:
Vers Ithaque, de Henry Pou
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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