O
existencialismo, corrente da qual fizeram parte Jean-Paul Sartre, Simone de
Beauvoir e Albert Camus, defende que o homem constitui sua essência ao longo de
sua existência, de maneira que não existe uma essência que o determine. A
atitude existencial, algo como um estalo ou um escangalho das sinapses, ao
mesmo tempo em que provoca no homem uma sensação de desorientação e certa
confusão face à aparente falta de sentido e o absurdo do mundo, determina os
sentimentos, as ações e a vivência do indivíduo. A grosso modo, é como se ao
longo de nossa existência fossemos colecionando experiências, criando a nós
mesmos, de modo que só com a morte atingimos nossa completude. Não à toa, a
ênfase do existencialismo está na responsabilidade do homem sobre seu destino e
no seu livre arbítrio.
Mas
deixemos a nesga de erudição para lá: falemos de Antonio Candido! Ontem
completou-se uma semana da morte do grande ensaísta e crítico literário
brasileiro. Candido atingiu sua completude; escreveu as últimas páginas de seu
livro. Cabe a nós, agora, a leitura de sua obra, a inveja de sua essência.
Até
aí, nada demais! Contudo, o curioso mesmo foi tê-lo encontrado em meio aos
entretenimentos e fofocas de celebridades em um site de notícias. Talvez um provável descuido; desses que fugiram
às exceções e tornaram-se regra na malfadada indústria da informação.
Singular
ou não, o fato é que me lembrei de Machado e por fim achei que talvez tudo não
passasse de uma predestinação irônica, dessas que hora ou outra acometem seres
supostamente alheios às futilidades efêmeras.
Explico-me:
há tempos escrevi sobre a indignação póstuma de Machado. Ocorre-me agora que
Brás Cubas, figura culta e refinada, porém voluntariosa, não só daria um
piparotes em seu criador, mas também usaria de muita ironia ao vê-lo em meio a
Madonna e a Mulher Melancia (ambas já recolhidas ao esquecimento) em uma banca
de jornal.
Melancia,
na capa de uma publicação especializada em estimular carpos, metacarpos e
falantes de marmanjos, exibia o derrière
e pernas em V invertido. Cubas não faria por menos! É certo que tripudiaria da
página leve em que Machado traz de arrasto a Eneida e assola o verso virgiliano de modo a fazer com que virumque ignore a arma, degenerando-se em Vir,
no intuito de sugestionar seu pai, que decide apresentá-lo a Virgília (Perdeu-se leitor? Eis pura
provocação para que voltes às páginas de Memórias
Póstumas!).
Na
época, lembro-me que ao contemplar Machado exposto entre os exuberantes seios de
Madona e o buzanfã da Mulher Melancia, a válvula de escape ao risível e ao
ridículo veio-me de alguns versos de Baby grafados na capa de uma outra
revista: lá vem o Brasil descendo a
ladeira. À época Baby ainda não era do Brasil e este descia a ladeira na
bola, no samba, na sola e ainda não lançava o salto em direção aos nossos
sacrossantos traseiros!
Enfim,
com Candido deu-se algo parecido: colocaram-no entre uma ‘bbb’ (com minúsculas
mesmo!) que reclamara do reclinar de uma poltrona de avião e uma reportagem que
versava sobre característica constitutiva do homem: o fingimento; no caso, homens
que fingiam orgasmos. Vá lá, é certo que Candido tenha dado algumas remexidas post-mortem.
O
fato é que Candido tornou-se pop; em
vida, referência, admirado nos meios acadêmico e intelectual, morto, adentrou
as revistas de celebridades e ao longo da semana disputou espaço com as
fofocas. Contudo, nas redes sociais trouxe algum respiro para o universo
facebookiano, lugar-comum de comentários repletos de clichês, preconceitos e uma
boa dose de iracúndia.
Enquanto
escrevo dou uma olhadela nas últimas notícias: figuras do meio
político-policial de Brasília vêm a público afirmar que possíveis delações hão
de marcar o fim da República, o que só prova que vivem em um mundo de fantasia,
à parte. A lama é tanta que não vejo outra alternativa a não ser recolher-me
também em meu mundo. Por fim, plagiando Cícero, se ao lado da biblioteca houver
um jardim, nada me faltará!
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