Revista Philomatica

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Produto: prostitutas made in Brazil

Lá pelos idos de 1893 não tínhamos as modernidades tecnológicas que hoje nos sufocam com imagens exuberantes de lugares longínquos, que nos acham até mesmo no mais recôndito dos trous aux rats, que nos fazem clientes vinte e quatro horas por dia...
Basta um clique e lá estamos nós a conferir mercadorias a quilômetros de distância, regateando preços, avaliando a qualidade, apreciando a estética do produto. Sabemos que boa parte da quinquilharia vendida no Brasil vem da China, via Paraguai, e é produzida por mão de obra escrava, mas, ainda assim, não nos furtamos de botar as mãos em um pacote de chave-de-fendas ching ling; é só dar um pulinho ali, na esquina. A despeito da qualidade e de quem as produziu, lá vamos nós! E voltamos, é claro, à mesma esquina, depois de apertar o primeiro parafuso que, resistente, retorceu as chaves. Através de historietas como esta, repetidas infinitamente, é que se constroem os clichês.
Em 1893 ainda não tínhamos um produto nacional, como hoje o tem os chineses - aos milhares; só tínhamos florestas, árvores e mais árvores, papagaios e mais papagaios... e, vá lá, alguma cana e algum café. Muitos dos viajantes europeus que por aqui aportavam ressentiam a falta de um verniz cultural, tal era a modorra em que se vivia na capital; e falo de 1893! Mas não se assuste, leitor! Saia das grandes capitais, pegue a estrada e pare sorrateiramente em uma pequena cidade do interior de um estado brasileiro qualquer. Procure uma livraria, um teatro, um cinema, um café; sinto dizer, mas estará de volta em 1893!
Pois bem, em 1893, Machado de Assis publica uma crônica nas páginas da Gazeta de Notícias em que replica o dito de Sarah Bernhardt desmentindo uma folha argentina que publicara suas opiniões sobre o Brasil, país que deixara há pouco. Sarah, teria dito então: Ce pays féerique... (este país de contos de fadas). Machado não titubeia, ressente-se com a opinião da atriz, diz sentir-se afogar pelo banal e o vulgar, afirma que Sarah está a reproduzir a “velha chapa” de todo viajante que por aqui passa, e, hiperbólico, afirma que ela lhe arrancou sem piedade a ilusão do outono.
O ressentimento de Machado vem do fato de que todos os viajantes limitavam-se a comentar a exuberância da natureza, permanecendo indiferentes ao homem e suas obras. E aqui, dou-lhe a palavra: “Quando me louvam a casaca, louvam-me antes a mim que ao alfaiate. Ao menos, é o sentimento com que fico; a casaca é minha; se não a fiz, mandei fazê-la. Mas eu não fiz, nem mandei fazer o céu e as montanhas, as matas e os rios. Já os achei prontos, e não vejo que sejam admiráveis; mas há outras coisas que ver.”
Ah, Machado, se soubesses o que veem hoje; estou certo de que acrescentarias um bom parágrafo àquelas garatujas!!!
A notícia é velha, mas na última semana replicaram-na exaustivamente nas redes sociais. Trata-se de uma reportagem sobre um levantamento a respeito dos produtos que, na cultura popular, são estereotipicamente associados a certos países. Algo como pensarmos no Japão e vermos uma porção de produtos eletrônicos dançando em frente aos olhos, ou ainda, falarmos da Turquia e sentirmos uma vontade irresistível de pegar carona no tapete de Aladim, cruzarmos os ares, provarmos da liberdade plena!
Isto feito, produziram mapas de todos os continentes associados às buscas que os internautas fazem na rede, os produtos que procuram, seus interesses e curiosidades sobre este ou aquele país, e, adivinhem...
Sinto dizer, Machado, nada mudou! Quando procuram pelo Brasil na rede não estão em busca de sua produção cultural e/ou intelectual, mas da cor local - ainda. Basta olhar o mapa para vermos que há bem poucos lugares no mundo em que o produto local é a prostituta. Isto não é exclusividade nossa, é claro, mas, no caso, o produto prostituta associado à produção brasileira choca, sobretudo a nós, brasileiros, por mais acostumados que estejamos às estripulias do agronegócio e ao aço e o ferro que sangram no coração das antigas florestas. Ao dar de olhos com o mapa, confesso, por mais que chame de canaille a corja que habita o pináculo do poder em Brasília e me refira à Assembleia e ao Senado como prostíbulos, ver a palavra “Brasil” substituída por “Prostitute” foi lá um soco no estômago.
A situação em que nos encontramos não nos anima a ressentimentos, como ocorreu com Machado, principalmente porque logo ali ao lado jaz o Paraguai como lugar procurado para se viver. Num certo revanchismo, penso, talvez sejam foragidos da lei em seus países à procura de abrigo, mas isto só não me deixa mais otimista.
O fato é que compram a cerveja na Argentina e vêm ao Brasil bebê-la em companhia das nossas prostitutas.
Penso também nas escolas, na falta delas!
Olho para Brasília e não me animo! De onde me virá o socorro?

Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/

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