Lá
pelos idos de 1893 não tínhamos as modernidades tecnológicas que hoje nos sufocam
com imagens exuberantes de lugares longínquos, que nos acham até mesmo no mais
recôndito dos trous aux rats, que nos
fazem clientes vinte e quatro horas por dia...
Basta
um clique e lá estamos nós a conferir mercadorias a quilômetros de distância,
regateando preços, avaliando a qualidade, apreciando a estética do produto.
Sabemos que boa parte da quinquilharia vendida no Brasil vem da China, via
Paraguai, e é produzida por mão de obra escrava, mas, ainda assim, não nos
furtamos de botar as mãos em um pacote de chave-de-fendas ching ling; é só dar um pulinho ali, na esquina. A despeito da
qualidade e de quem as produziu, lá vamos nós! E voltamos, é claro, à mesma
esquina, depois de apertar o primeiro parafuso que, resistente, retorceu as
chaves. Através de historietas como esta, repetidas infinitamente, é que se
constroem os clichês.
Em
1893 ainda não tínhamos um produto nacional, como hoje o tem os chineses - aos
milhares; só tínhamos florestas, árvores e mais árvores, papagaios e mais
papagaios... e, vá lá, alguma cana e algum café. Muitos dos viajantes europeus
que por aqui aportavam ressentiam a falta de um verniz cultural, tal era a
modorra em que se vivia na capital; e falo de 1893! Mas não se assuste, leitor!
Saia das grandes capitais, pegue a estrada e pare sorrateiramente em uma
pequena cidade do interior de um estado brasileiro qualquer. Procure uma livraria,
um teatro, um cinema, um café; sinto dizer, mas estará de volta em 1893!
Pois
bem, em 1893, Machado de Assis publica uma crônica nas páginas da Gazeta de Notícias em que replica o dito
de Sarah Bernhardt desmentindo uma folha argentina que publicara suas opiniões
sobre o Brasil, país que deixara há pouco. Sarah, teria dito então: Ce pays féerique... (este país de contos
de fadas). Machado não titubeia, ressente-se com a opinião da atriz, diz
sentir-se afogar pelo banal e o vulgar, afirma que Sarah está a reproduzir a
“velha chapa” de todo viajante que por aqui passa, e, hiperbólico, afirma que
ela lhe arrancou sem piedade a ilusão do outono.
O
ressentimento de Machado vem do fato de que todos os viajantes limitavam-se a
comentar a exuberância da natureza, permanecendo indiferentes ao homem e suas
obras. E aqui, dou-lhe a palavra: “Quando me louvam a casaca, louvam-me antes a
mim que ao alfaiate. Ao menos, é o sentimento com que fico; a casaca é minha;
se não a fiz, mandei fazê-la. Mas eu não fiz, nem mandei fazer o céu e as
montanhas, as matas e os rios. Já os achei prontos, e não vejo que sejam
admiráveis; mas há outras coisas que ver.”
Ah,
Machado, se soubesses o que veem hoje; estou certo de que acrescentarias um bom
parágrafo àquelas garatujas!!!
A
notícia é velha, mas na última semana replicaram-na exaustivamente nas redes
sociais. Trata-se de uma reportagem sobre um levantamento a respeito dos
produtos que, na cultura popular, são estereotipicamente associados a certos
países. Algo como pensarmos no Japão e vermos uma porção de produtos
eletrônicos dançando em frente aos olhos, ou ainda, falarmos da Turquia e
sentirmos uma vontade irresistível de pegar carona no tapete de Aladim, cruzarmos
os ares, provarmos da liberdade plena!
Isto
feito, produziram mapas de todos os continentes associados às buscas que os
internautas fazem na rede, os produtos que procuram, seus interesses e
curiosidades sobre este ou aquele país, e, adivinhem...
Sinto
dizer, Machado, nada mudou! Quando procuram pelo Brasil na rede não estão em
busca de sua produção cultural e/ou intelectual, mas da cor local - ainda.
Basta olhar o mapa para vermos que há bem poucos lugares no mundo em que o
produto local é a prostituta. Isto não é exclusividade nossa, é claro, mas, no
caso, o produto prostituta associado à produção brasileira choca, sobretudo a
nós, brasileiros, por mais acostumados que estejamos às estripulias do
agronegócio e ao aço e o ferro que sangram no coração das antigas florestas. Ao
dar de olhos com o mapa, confesso, por mais que chame de canaille a corja que habita o pináculo do poder em Brasília e me
refira à Assembleia e ao Senado como prostíbulos, ver a palavra “Brasil”
substituída por “Prostitute” foi lá um soco no estômago.
A
situação em que nos encontramos não nos anima a ressentimentos, como ocorreu
com Machado, principalmente porque logo ali ao lado jaz o Paraguai como lugar
procurado para se viver. Num certo revanchismo, penso, talvez sejam foragidos
da lei em seus países à procura de abrigo, mas isto só não me deixa mais
otimista.
O
fato é que compram a cerveja na Argentina e vêm ao Brasil bebê-la em companhia
das nossas prostitutas.
Penso
também nas escolas, na falta delas!
Olho
para Brasília e não me animo! De onde me virá o socorro?
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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