Isto
ocorreu há algum tempo e lembro-me de à época não ter entendido muito bem.
Explico-me: tratava-se de uma entrevista com a professora e filósofa Marilena
Chauí. Nela, Chauí, se bem me lembro, negou-se a comentar a epopeia do Mensalão.
Uma das razões que deu ao jornalista fora o fato de não ler jornais já havia uns
seis meses. Espantei-me com tal afirmação e perguntei-me como uma professora,
cujas opiniões soam referências, poderia passar meio ano ao largo das
discussões trazidas à luz pela imprensa, esse fiat humano, segundo Machado.
Agora,
bem mais recentemente, leio Umberto Eco, meu Padre Santo, afirmar que as redes
sociais deram direito à palavra a uma legião de imbecis que antes falavam em um
bar, depois de uma boa taça de vinho, sem prejudicar a coletividade. Hoje,
contudo, essa legião fala às desbragadas, tem náuseas e vômitos virtuais.
Devemos sempre prever e respeitar o resultado de um pensamento democrático,
mas, às vezes, mesmo sabendo que normalmente o vômito é inofensivo, são
flagrantes os sinais de que advém de uma doença mais grave. Dentre estas
doenças, a medicina aponta a obstrução intestinal e, parece-me, reside aí o
fato de muita porcaria ter adentrado as linhas do jornais e sites de notícias, relativizando aspirações
e inteligências.
Na
lida com periódicos oitocentistas, torna-me quase impossível o cotejo com os
jornais contemporâneos. Malgrado o desenvolvimento tipográfico e o fato de o
jornal impresso estar com seus dias contados, não se pode deixar de notar o
aprofundamento das reflexões desenvolvidas nos primeiros. É certo que a areia
na ampulheta do tempo era mais grossa, havia sempre alguma dilação que afastava
a brevidade e a rapidez. Hoje, é tudo muito rápido, não há digestão, o espírito
não absorve as ideias e o que se tem é a dita obstrução intestinal, uma vez que
num clic das bocas parece fruir o que
deveria verter em direção aos países baixos - se é que me entendem.
Ontem,
li um texto sobre racismo vegano escrito por uma pan-africanista de orientação
garveysta em diáspora, que se autodenomina propagadora de ideias. Até aí, nada
contra. Somos todos propagadores de ideias. Ocorre que ao longo de vários
parágrafos tem-se o mais perfeito exemplo do resultado advindo pós uma
obstrução intestinal: a autora não diz quem é, de onde veio e sequer para onde
está pensando em ir em meio a toda aquela verborragia. Cheguei à conclusão de
que não sabe o que são ideias. Palavras em sequência não configuram ideias!
Ocorre-me
também, neste instante, que, sob efeitos alucinógenos, é bem possível que todos
misturemos demagogia e asneiras à fumaça que emana ao horizonte, muitas vezes
deitando-as sobre a folha em branco. O fato é que o texto prima por seu teor
racista; trocadas as raças, teríamos uma peça passível de processo judicial por
propagação racista. Dito isto, a cereja do bolo são os comentários elogiosos,
inclusive de pares que pregam a tolerância e a igualdade, num caso óbvio de
obstrução intestinal; prova, mais uma vez, de que a ideologia emburrece.
Mas
deixemos de lado a morbidez que paira sobre a imprensa e as “ideias”, afinal,
ontem, em Brasília, armou-se novamente o circo e os palhaços subiram ao
picadeiro. Acho que já disse aqui que em relação à coisa pública, fazemos tudo
mais ou menos; a excelência circunscreve-se aos impostos, que nos são
extorquidos a cada respiro. Pois relativizo o que disse: ontem toda a corja
corrupta da Assembleia ganhou a área central do circo e ali protagonizou mais
um show exasperante, porém, excelente em canalhice.
Palavras
de ordem, corruptos achincalhando corruptos, corruptos salvando corruptos,
hipócritas clamando contra a hipocrisia, bandidos advogando em favor de
bandidos, quadrilhas condenando quadrilhas, negociatas à vista de todos, compra
e venda de votos, bandeiras particulares hasteadas, bandeiras públicas recolhidas
e jogadas nas lixeiras da república, empurrões, apelo aos evangelistas na hora
de proferir um voto cujo preço fora previamente barganhado à revelia dos interesses
públicos, deputado comendo pedaço de plástico de um pixuleco, enfim, nem como
palhaços conseguiram divertir a plateia, mas mostram-se excelentes no que são:
canalhas! Tudo já estava combinado! A nação inteira sabia o fim do espetáculo,
não houve surpresa. Portanto, o que TEMER do futuro se conhecemos o script desde que despacharam o Imperador?
Hoje
entendo Chauí e admiro muito mais Eco, meu Padre Santo! O fato é que se tratando
da política torva e sanhuda, não há dúvidas! Não há mocinhos! Proibiram-nos
escrever o mais chinfrim dos folhetins! Só temos bandidos! Na nova narrativa, temos
que nos ver com a eterna univocidade das personagens, alternando os bandidos no
picadeiro como se estivéssemos a redigir os próximos passos de um enredo
mafioso. Isto, se quisermos alguma verossimilhança possível, afinal, esta é a
índole dos nossos políticos palhaços inglórios.
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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