Stendhal
confessou haver escrito um de seus livros para cerca de cem leitores, modéstia
que Machado ironiza e, desta feita, não deixa por menos: arrisca cinco leitores
para as célebres memórias post-mortem
de Brás Cubas. Eu, que não sou presunçoso nem nada, e não vislumbro panteão outro
que não seja a campa, dispenso likes em
proveito de um mísero leitor. Justamente por isso dou-me o direito, a partir de
agora, de dizer mediocridades tantas quantas as que tenho lido.
Vá
lá! À guisa de exemplo tomo o mundinho que circunda à minha volta, que hora ou
outra se mete a falar de literatura sob a égide cristã, preocupado em separar o
joio do trigo com base na leitura de um ou dois papas multiculturalistas. Leio
o que leio e me obrigo à repetição, até mesmo fazendo uso de certo parafraseio!
Putain! Os
expertises do multiculturalismo
repetem o leitor semântico ao tecer elogios e críticas e mais críticas, na
grande maioria das vezes (perdoem-me, o pleonasmo é necessário!), sem terem se
dado ao trabalho de ler as obras. Aliás, a moda perdura já há algum tempo nos
estudos literários, em que a ênfase recai sobre a teoria, com menosprezo da
ficção.
E você, leitor, não se adiante!
Não estou a dizer que não se deve ler teoria, militar em prol da literatura dos
países colonizados, da literatura de gênero e afins. Penso que devemos praticar
a sintropia literária (o termo é meu, registre-se, que apropriei de Ernest
Gotsch, versado em agricultura!). Isto posto, vejo que muitos
multiculturalistas insistem em praticar a entropia, apostando na terra
arrasada!
A literatura como meio de
denúncia colonialista é válida e deve ser praticada, contudo, o cultivo é mais
produtivo quando se opta pela diversidade de espécies. Gotsch prova isso na
agricultura, por que não copiarmos ideia tão produtiva e transplantarmo-la para
a esfera literária? Por que, obrigatoriamente, tenho que exterminar o cânone em
proveito de uma pseudo-originalidade, sabidamente inexistente? A originalidade
vem do estranhamento que a obra provoca, às vezes, pelo simples fato de jamais
podermos assimilá-la por completo, já dizia Bloom. Então, porque “fundar” um
idealismo em busca de uma justiça social e de uma harmonia que sabemos ser
utópica? Não digo que a harmonia social não deva existir e que não devemos sair
em busca de uma maior compreensão entre povos e raças; insisto é na importância
do pluralismo de ideias, ainda que muitas delas permaneçam para serem
refutadas, usadas como contrapontos, fortalecendo as que crescem entre as
hortaliças, à sombra das leiras de grandes árvores.
Ora, fala-se em “alta
literatura”, condenando-a; ao fazê-lo, esquecem-se os ressentidos de que até
mesmo a literatura forte, o cânone, só é o que é porque sofreu o processo
aflitivo da influência. A grande literatura reescreve velhas obras – sempre –
sem se esquecer de abrir espaço para o eu, de modo que materializa novos
sofrimentos e angústias.
Hoje, surgem desmemoriados a
torto e a direito: esquecem-se de que a memória, ainda que involuntária é uma
arte. Por que insistem então em apagar o pouco que sobrou? É europeu, é homem,
é branco? Joga fora no lixo! Pratiquemos a sintropia literária, meus caros! Não
se esqueçam de que o estético é mais uma preocupação individual que de sociedade.
Um romance é um extrato das
perturbações humanas que ganha a página em branco, portanto, ali estão alegrias
e medos, sobretudo o medo da morte. Ora, eis aí um de nossos medos que adentram
a memória comum e que, na literatura, busca status
canônico. Esquecer o valor estético é perigoso! Ao esquecê-lo não reconhecemos
a arte, não a experimentamos e, ao não degustá-la, atrofiamos nossas sensações
e percepções!
Ave Homero! Ave Virgílio! Ave
Dante! Ave Machado!
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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