O
primeiro presépio, reza a lenda, teria sido montado por São Francisco de Assis
no ano de 1233 e, acreditem, foi feito em argila. Nada dessas invencionices
modernosas em que o Cristo ganha feições de garrafa pet reciclável e os Reis
Magos, customizados, são confeccionados com arames, e, como afirmam alguns
jornalistas leitores de notícias, tornam-se “pura obra de arte”.
Segundo
dizem, como muitos camponeses não entendiam bem a história do nascimento de
Jesus, São Francisco resolveu representá-la para melhor explicar o episódio. A
moda pegou e igrejas e mosteiros passaram a reproduzir o feito. Não demorou
muito, reis e nobres replicaram o ato em seus palácios e casas. Tornou-se
tradição a manjedoura, o menino, os reis, o boi, o burro etc e tal. A encenação,
afirma-se, tem por objetivo o congraçamento e o despertar da fraternidade, às
voltas, é claro, de um núcleo familiar que garante seu protagonismo.
Mas
os tempos mudaram e com eles o presépio, que hoje saiu das casas e adentrou os shoppings. Em nossos dias, o
congraçar-se dá-se em torno do vil metal: o burro pisca daqui, o boi pisca dali,
os reis apontam as vitrines, o menino esperneia pedindo esse ou aquele
brinquedo; a vendedora, desesperada por uma percentagem maior no salário,
mostra um jogo, um carrinho, mas o menino chora, esperneia, faz birra e quer porque
quer a boneca. A mãe, receosa em magoá-lo, obedece à risca as suas vontades. Ao
saírem, o menino exulta: ganhou não só a boneca, mas uma caixinha de maquiagem
e até uma sainha, que é um mimo, de tão fofa!
Na
porta dos shoppings, repórteres
ávidos à procura de compradores que sustentem o argumento de que a economia vai
bem obrigado, perguntam se o Natal vai ser bom: o filho olha para a mãe, que
olha para o filho, e devolve a pergunta: “Natal, que Natal?” O Natal, o
nascimento do menino Jesus, retruca o repórter meio sem jeito. “Ah, não sei
quem é ele não, moça. O que sei é que esse ano o décimo terceiro saiu na data.
Ano passado, nem teve!”
Mas
isso, caro leitor, são historietas aqui dos rincões. Em outros países, no
entanto, guardadas as devidas proporções, não é lá muito diferente: o fato é
que o tradicional presépio também lá comemora suas exéquias. Na França, por
exemplo, país em estágio avançado de islamização, presépios são um acinte não
só à tão propalada laicização, mas às susceptibilidades muçulmanas. As escolas
já não comemoram mais o Natal, presépios tornaram-se blasfematórios, os
pinheiros de Natal sequer aparecem e o bom velhinho já não cruza mais os céus
conduzindo suas renas, mas caminha cabisbaixo, costas curvadas, pensativo, rumo
a um asilo qualquer. E tudo em nome de uma convivência dita harmoniosa em que
as diferenças são relativizadas. O Estado interfere com a sua mão forte dizendo
lutar pelas minorias, os oprimidos, mas, ao fazê-lo, oprime outros, criando
subgrupos, enquanto deveria pregar a coexistência dos contrários, na qual todos
pudessem se expressar segundo suas ideias e crenças.
Lá
também, em comemorações de fim de ano, até as estrelas têm sido banidas,
afinal, remetem aos Evangelhos, anunciando o nascimento do menino. Que menino?
Já não se pode mais pronunciar seu nome, pois é politicamente incorreto. A
festa, antes coletiva e familiar, na qual princípios de caridade e fraternidade
eram postos em prática, ainda que sob certa efemeridade, hoje tornou-se
simplesmente mercantilista.
De
fato, poucos lembram-se de sua origem e da razão de sua existência, o que
importa é a troca de presentes, o quanto se vende, o quanto se lucra. Abraços,
sorrisos; tudo isso tornou-se démodé em
tempos cujas bandeiras são ideológicas, racionais, pragmáticas e seguem à risca
a cartilha imposta por grupelhos, que se arvoram donos da verdade e são
comumente sustentados por uma mídia suja e interesseira.
Enfim,
leitor, é isso: o presépio, também nas igrejas, está com seus dias contados.
Mas, tranquilize-se: como somos todos um pouco metafísicos, a intelligentzia ideológico-partidária há
de providenciar outros deuses, cujos evangelhos serão redigidos em longas
reuniões partidárias, ao sabor do café e do croissant
subvencionados pela massa ingênua, alienada e faminta, marcada para morrer e mansa
feito o cordeiro de Deus.
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