Revista Philomatica

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Retrospectiva

Uma olhadela nas notícias de hoje e constato o óbvio: um balanço geral do ano que agoniza. Após correr os olhos de alto a baixo nas principais publicações, noto que somos, digamos, efusivos. Explico-me: preferimos assuntos leves, palatáveis.
Embora não devamos generalizar, o fato é que ao traçar um panorama do que se publica na grande imprensa, afora as notícias ditas impositivas, isto é, os dramas do povo e as tragédias da política, o que temos é pura imbecilidade. Não à toa, Eco, o meu padre santo, dizia que a internet deu voz a uma legião de imbecis. Não bastasse isso, a imprensa encarrega-se de alienar a massa em proveito de seus próprios interesses.
Parece haver uma teoria conspiratória em favor do entorpecimento geral, sim, algo como aquelas histórias da Nova Ordem Mundial, temida por muitos, risível a tantos outros. Contudo, depois de milhares de internautas se confessarem intrigados com a foto de uma celebridade em pose lânguida e outros se digladiarem sobre o talento inexistente do cantorzinho que a imprensa considera a diva pop da atualidade, nada nos resta além de um sentimento funéreo, igual ao do ano que agoniza.
Firulas, circunlóquios, rodeios? Não, caro leitor, é tudo muito sério. Isso é reflexo de uma relativização intelectual e, como consequência, rebaixe do espírito crítico, no qual até mesmo a apreensão do conhecimento é circunscrita. Recentemente, grandes empresas abriram vagas de estágio; exigentes e ditas de renome, a seleção foi concorrida. Milhares de universitários inscreveram-se, uma média de 275 candidatos por vaga.
Previu-se que seria fácil preencher as vagas tal o número de postulantes, contudo, constatou-se que as empresas sequer conseguiram candidatos para a metade das vagas e foram obrigadas a diminuir o nível de exigência. Além do óbvio, qual seja, as questões educacionais (Ideb), os especialistas apontaram uma outra razão para a suposta obtusidade dos proponentes: o excesso de internet. Como se sabe, a internet facilitou o acesso à informação, porém, trocando em miúdos, deu azo ao grande plágio, a apropriação da reflexão alheia. Papagueiam à exaustão a apropriação cultural, mas, ao fazê-lo, reproduzem a dinâmica e o movimento daqueles que se assenhoram das ideias de outros.
Isso só acontece porque vivemos uma época em que os alunos, ao escreverem seus textos, não mais lançam mão da pena e da criatividade, mas dos modernos ‘control c, control v’. A cultura visual se impõe e ler, fichar livros e fazer resumos ganham ares de erudição, quando deveriam fazer parte do quotidiano dos alunos. Hipertextos obrigam internautas a pular de um lugar a outro em detrimento da profundidade. Com isso, perde-se não só o conteúdo, mas também chicoteia-se a língua: hoje as empresas já não trazem como requisito um bom desempenho em prova de língua portuguesa, basta que o candidato não escreva, por exemplo, texto com dois ésses ‘s’.
Mas isso é o de menos, como diz-se na linguagem coloquial, o grave mesmo é a incapacidade de desenvolver e expor ideias, resultado de uma interatividade hiperativa, conforme afirma Mark Bauerlein, autor de “A mais burra das gerações: como a era digital está emburrecendo os jovens americanos e ameaçando nosso futuro”. Burrice, para Bauerlein, é ouvir dos adolescentes americanos que a Alemanha foi aliada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. 
Não nos assustemos, pois já ouvi aqui nos trópicos que a Argentina fica na Austrália. Esses absurdos, muitos creditam ao fato de hoje os jovens passarem muitos mais tempo trocando informações entre si, de modo a excluir a intermediação dos adultos do processo de aprendizagem.
Não que os jovens sejam tabula rasa e os adultos receptáculos de conhecimento e sabedoria. Longe disso; até mesmo porque Bauerlein vê com desconfiança os meios educacionais tradicionais, como a escola, porque suspeita ser ela incapaz de traduzir o que é relevante para a vida.
Face à profusão de informação, o jovem enfrenta dificuldade em selecionar aquilo que é relevante para o seu conhecimento e, diante disso, vê-se cada vez mais confuso e busca intermediação nas redes sociais à procura de alguém em quem possa confiar. O resultado? O perigo de achar que a boa música, por exemplo, é fruto de suposta representatividade e/ou atributos físicos, tal um bom derrière.
À escola do futuro fica o desafio de tentar interagir com o jovem; à imprensa, o dever de não torná-lo obtuso, enfiando-lhe goela abaixo, sob o rótulo de cultura, muito do lixo que a sociedade produz 

Nenhum comentário:

Postar um comentário