É
senso comum certo conservadorismo no ar; melhor, certo puritanismo sexual, sobretudo
se comparamos o discurso atual de uma parcela da sociedade àquele que estávamos
acostumados nas duas últimas décadas. Não digo três décadas porque aí seria
avançar demais e há trinta anos, creio, vivíamos ainda a Era Democrática
preconizada por Vico. De qualquer modo, não há como negar que nos anos 80,
apesar dos pesares, éramos muito menos ‘quadrados’ - não digo ‘careta’ porque a
geração ‘Z’, que sequer tem ímpetos de consultar um dicionário, permaneceria na
ignorância -, ousávamos mais e se há uma coisa que não éramos, era politicamente
corretos. Ríamos, sim, éramos risíveis! E, acredite, é só olhar o modo como nos
vestíamos que você, leitor, rirá às desbragadas!
Contudo,
duvido que Vico tenha imaginado isto: que a moral vitoriana que marcaria a Nova
Era Teocrática viria de movimentos de esquerda, entre os quais, os feministas. A
religião, a fé? Ora, isso é passado; hoje somos tão descrentes e o deus que
surge em nossos lábios só aparece em momentos de angústia e pedidos de socorro,
algo como recorrer a um usurário, um bombeiro ou à polícia!
Certo,
nessas horas a memória encarrega-se de misturar lembranças e leituras, e nessa
Era do Caos em que vivemos, em que a Escola do Ressentimento teima e sapatear
sobre tudo e todos, não há como não se espantar a cada novo amanhecer.
Às
vezes, penso que o valor estético está mesmo com seus dias contados e, se
permanecer, só será encontrado em textos eruditos, naturalmente refutados pelos
Ressentidos. Não à toa, impôs-se em nossos dias a necessidade de revisar tudo,
desde a história até as obras de arte, a ficção; mas, contenha-se leitor, não
demora e logo pinturas medievais, renascentistas, românticas e outras serão mutiladas
em proveito de um discurso que visa satisfazer a intelligentzia da rede acadêmico-jornalística. Por birra, as
sinapses não me deixam de trazer ao espírito o jornaleco que se diz a serviço
do Brasil!
Mas
o que pretendia falar não é fruto de solo tupiniquim, vem lá das Zorópa - como
dizia o matuto. Pois bem, Leo Muscato... Quem? O Leo ou o Muscato, como queira.
Nunca ouviu falar dele? Ora, não seja por isso! Leo há de ser mundialmente
reconhecido por seu talento visionário. Leozinho é diretor da Ópera de
Florença, e diretor da Carmen, de
Bizet, baseada, por sua vez, na obra de Mérimée.
Leozinho,
na falta de uma direção exponencial à obra de Bizet, algo que de fato tirasse o
fôlego do espectador face à sublimidade do artístico, decidiu pura e
simplesmente mudar o final da obra. O porquê da mudança? Ora, na concepção do
mestre Muscato, a obra dos gênios Mérimée e Bizet não condiz com os dias
atuais; o público, suscetível ao politicamente correto, definitivamente não é
obrigado a aplaudir um feminicídio em cena.
É
claro, Bloom ressoou-me aos ouvidos! Que é isso?, pergunto. É certo que o
estético é uma preocupação individual, não de sociedade, mas por que então Leozinho
corrobora essa modernidade equivocada, tendenciosa, e afeita a dilapidar obras
de arte para que se ajustem a uma arte supostamente subversiva?
Leozinho
não pôde ignorar Carmen, contudo,
mesmo considerando-a esplêndida, achou-a conservadora, por isso resolveu
adaptá-la aos nossos dias, tornando-se uma espécie coautor; degenerado, claro,
mas, colocou-se ali, ao lado de Mérimée e Bizet, constituindo uma tríade!
Isso
é preocupante? De certo modo, sim! Preocupante pelo que pode vir a seguir,
afinal, há tantas obras, tantos papéis de mulheres protagonistas, que as fazem
mentir, sofrer, morrer... O que fará Leozinho e a intelligentzia? Mudará tudo? Oh, meu Deus! O que farão da fala do príncipe,
em O Leopardo, de Lampedusa? – “Mudem
tudo, mas apenas o suficiente para manter tudo exatamente como está.” (Leozinho
não seria tão hipócrita, ou seria!?) Riscá-la-ão em proveito do politicamente
correto? Quantas obras, romances, óperas não foram compreendidos em sua época e
só por isso tornaram bastiões de grupos, ideias e ideologias! A crítica
apoia-se na memória; o esquecimento é danoso, prejudicial à cognição, Leozinho!
Não
bastasse isso, na Inglaterra, a BBC britânica decidiu recontar uma vez mais a
Guerra de Tróia, a ser divulgada via Netflix. Até aí, nada de original; afinal,
a epopeia já ganhou versões e versões no cinema e na TV. Contudo, o papel de
Ulisses será interpretado pelo ator David Gyasi. Ora, para quem não sabe, Gyasi
é negro.
Ouço
o ecoar de seus pensamentos, leitor: “Racista!” Engula seu pré-julgamento
leitor! O que coloco em questão, se não se deu conta ainda, é o revisionismo!
Mas isso não me impede de perguntar: e se colocassem Brad Pitt a interpretar o
papel de Malcolm X, Martin Luther King ou Mandela? Qual não seria a gritaria,
não é mesmo? Por que revisar a obra de Homero, na qual a personagem é
notadamente descrita por sua cabeleira loura? O contrário, é certo, seria
tratado em nossos dias como apropriação cultural, expressão tão vazia de
sentido cujo propósito não é outro que deferir discursos superficiais dos caçadores
de likes nas redes sociais.
Mas,
por que toda essa prosa, perguntas-me, ó digníssimo leitor. Eu mesmo não sei,
afinal, os filmes são rapidamente esquecidos e ainda que Brad Pitt venha a
interpretar Mandela e Gyasi seja reconhecidamente um Ulisses premiado, logo
cairão no anonimato, face a onda avassaladora de informação. Mas e os livros?
Ah, os livros, nem Leozinho e nem a BBC poderão alterá-los! Ademais, poucos,
bem poucos os leem, sobretudo os clássicos, e se tentarem queimá-los, como em 451 Fahrenheit, arderão intactos e ninguém
levantará a voz. Portanto, caminhemos e esqueçamos as polêmicas!
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