Revista Philomatica

sábado, 6 de março de 2010

A Expedição Langsdorff

Hoje vê-se o mundo das alturas. A tecnologia dos satélites nos permite explorar os confins do globo sem que precisemos abandonar nosso cantinho e o conforto que ele proporciona. Poderia esquadrinhar cada trecho deste imenso país, se quisesse, através da internet, ver imagens no Google e outras possibilidades tantas - como aquela ferramenta que permite ao usuário caminhar pelas ruas como se ali estivesse. Formidável! Mas não, enfrentei a chuva que caia pela manhã e fui ver a exposição Expedição Langsdorff, uma das mais importantes expedições científicas do século XIX, composta por desenhos e aquarelas de Johann Moritz Rugendas, Aimé-Adrien Taunay, Hercules Florence e mapas de Néster Rubtsov. Hoje, quando se apreende imagens por celulares ultra potentes e câmeras digitais não menos frágeis, é emocionante ver uma paisagem desenhada há quase dois séculos que, dado seu valor histórico e artístico, nos leva a pensar na emoção do artista ao desbravar a floresta e conhecer povoados quase que inexplorados. Sentiriam eles algo diferente? Ou o registro que faziam era puramente técnico? Questões e respostas à parte, o valor da exposição está em nos trazer aspectos da natureza e dos habitantes que compunham nosso território há cerca de dois séculos atrás, verdadeiro panorama de nossa flora e fauna. O Brasil, como se sabe, tornou-se objeto de desejo de pesquisadores europeus, logo depois que D. João VI abriu os portos às nações amigas, o que para muitos, ironicamente, dizer nações amigas equivale a dizer, de fato, Inglaterra. Mas isso é assunto para outra prosa. O fato é que o Brasil era um território inexplorado aos olhos da ciência, um paraíso repleto de uma diversidade ainda intocada. O barão de Langsdorff, integrante da expedição, fez exatamente o que outros tantos europeus fizeram: desbravou matas, colheu amostras e registrou conhecimento.
Com o apoio do governo russo, mais precisamente do Czar Alexandre I, Langsdorff deu início a sua expedição, em 1821. Com ele vieram pesquisadores de diversas áreas: botânicos, cartógrafos, zoólogos, etc. Fora a catalogação e anotações estritamente científicas realizadas pelos cientistas, havia o registro feito em desenhos e aquarelas realizadas por artistas como Rugendas, incumbido de retratar as paisagens, seus habitantes e seus costumes. O alemão, entretanto, se desentendeu com Langsdorff e partiu precocemente. Seu posto foi assumido por Aimé-Adrien Taunay, que se destacou pela aguda observação dos povos indígenas. Taunay, penso, também não aguentou o peculiar humor de Langsdorff e decidiu partir. Hercules Florence foi então contratado como segundo desenhista e produziu os registros de maior precisão e rigor científico.
Georg Heinrich von Langsdorff, e sua expedição, se embrenhou por 17 mil km do território nacional, quando o país ainda era praticamente uma gigantesca floresta, numa época conturbada, entre 1821 e 1829, quando D. João VI abandonou o Brasil e D. Pedro I, na condição de princípe regente, assumiu o país e proclamou a sua independência de Portugal. A exposição que conta a aventura da expedição Langsdorff é composta por 120 aquarelas e desenhos e 36 mapas que foram produzidos durante a viagem desses desbravadores que percorrem, em geral por rios, as províncias do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, de São Paulo, do Mato Grosso, do Amazonas e do Pará. No caminho, o território pouco explorado ofereceu perigos aos cerca de 40 integrantes da expedição. Taunay, filho do pintor Nicolas Antoine Taunay (da Missão Artística Francesa) e tio do influente Visconde de Taunay, em outubro de 1827, depois de se desentender com Langsdorff, deixa Cuiabá e parte rumo ao Rio Amazonas com um grupo liderado pelo botânico Ludwig Riedel. Poucos meses depois, Taunay, ansioso, tenta atravessar o Rio Guaporé sozinho, montado em um cavalo. O animal se desequilibra e cai na água. O artista é mordido por peixes e morre afogado. Nos últimos anos da expedição, o próprio Langsdorff contraiu uma doença desconhecida, que causava surtos passageiros, durante os quais ele perdia a noção de tempo e espaço. Diziam que tinha enlouquecido.
Langsdorff devia ser mesmo difícil, pois durante a viagem, quando Rugendas o deixou e retornou à Europa, levou consigo boa parte de sua produção, dizem, cerca de 500 gravuras. A outra parte do acervo da expedição foi encaminhada à Rússia, onde ficou perdida até 1930, quando foi encontrada nos porões do Museu do Jardim Botânico, em São Petersburgo. Hoje, os trabalhos pertencem ao Arquivo da Academia de Ciências da cidade e estão expostos pela primeira vez no Brasil. Entre as 120 peças reunidas na mostra Expedição Langsdorff estão obras inéditas como as aquarelas Sagui-de-cara-branca (1823), de Rugendas, Sebastiana, Filha da Mestiça Francisca de Sales e de um Branco (1927), de Taunay, e Mulher e Criança Manduruku, de Florence. Todas destoam do registro de paisagens ou cotidiano costumeiramente feito na época, apesar de elas também fazerem parte do acervo da exposição. Langsdorff escreveu sua aventura em diários, os quais foram publicados, em três volumes, pela FIOCRUZ.
Embora chovesse muito, me esqueci da chuva e, por uma hora e meia, cruzei rios, cascatas, vilarejos; vi pessoas, animais, pássaros, paisagens... e não foi das alturas!
Nota: Gravuras de Aimé-Adrien Taunay, junho de 1827, Palmeiras denominadas "buritis", desenhadas em Quilombo, distrito de Chapada; de Hercule Florence, onça aos seis meses e vista de Santarém, sobre o Tapajós, tomada do lado oeste, de agosto de 1828.

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