Revista Philomatica

quarta-feira, 17 de março de 2010

"Mais c'est beau!"

Hoje, mais uma vez, caí na armadilha das chamadas pomposas. Me explico: à época em que se comemorou o centenário de Machado de Assis, vi um exemplar da Bravo cuja capa estampava o escritor em uma foto de 1890 e, ao lado, o título da matéria: As obsessões de Machado de Assis. Nada mais decepcionante - artigo para lá de chinfrim. Anunciavam novos estudos que desvendavam os temas que atormentavam o maior escritor brasileiro. Acreditem, ali não havia nada além do que a crítica repete há anos. Hoje, novamente, caí no engodo da primeira página. O título? Rubem Fonseca sai da reclusão para promover livro de escritora-pupila. Pensei cá com meus botões: Puxa! Nem sabia que o homem estava recluso! Bem, de posse da Folha, vou eu à procura da Ilustrada e - não, não pode ser! Duas míseras e minúsculas coluninhas dizendo que Fonseca virara criança para promover sua escritora-pupila. Ao fim da leitura conclui que o jornalista se enganara, trocara criança por senil. Mas vamos aos fatos: a escritora-pupila trata-se da carioca Paula Parisot, famosa no mundo da moda como designer de bolsas e que agora investe na carreira literária. Para promover seu livro Gonzos e Parafusos (Ed. Leya), a escritora está há seis dias vivendo em um cubo de vidro montado dentro da Livraria da Vila. Ali, Parisot, performática, ensaia choro reproduzindo a clínica de repouso descrita em seu livro. Fonseca, nada criança, mas sim tentando se comunicar com uma criança, faz biquinho e diz: "Chora não, meu bem, chora não". (Eu, então, provo que Barthes estava certo ao tratar da morte do autor; me transformo em leitor-autor e, a partir da informação de que Fonseca pegou uma fatia de pão e tentou fazer sua pupila comer, já descrevo a cena: "Bilu-bilu, olha o aviãozinho. Tome (come) neném, tome, sinão neném não vai clescê! ). Próxima cena (esta descrita pelo autor da matéria): Fonseca, ao notar um fotógrafo tem a esperada reação da celebridade com a burra já cheia do vil metal: "Porra! Puta merda! Estragou meu dia". Reação oposta àquela que busca sua pupila. Puxa, deviam ter se falado, sei lá, combinado, ensaiado tudo antes! Afinal, uma reação dessas pode afugentar os fotógrafos e jornalistas e aí, como ficam as vendas? Enfim, o assunto era tão interessante, mas tão interessante que, num flash (Não me perguntem por que meu cérebro produziu tal sinapse!), me lembrei das histórias que li sobre a vinda de Anatole France ao Brasil. Curioso, naquela época (1909) com uma imprensa e meios muito mais modestos, não se faziam performances e, ainda assim, os leitores assediavam os escritores, ao menos, assim foi com Anatole France.
Anatole chegou em 17.5.1909 a bordo do navio Amazon. Estava a caminho de Buenos Aires e Montevidéu e só na volta deveria visitar o Brasil. O navio chegou à noitinha e o repórter do Correio da Manhã, Luís Fernando, na manhã seguinte já relatava sua malograda entrevista com o escritor. Na verdade, ao chegar a bordo já encontrara alguns membros da Academia Brasileira, entre os quais Filinto de Almeida, que tentavam se aproximar do escritor. O repórter interroga o comandante e descobre que o escritor está doente, porém, como bom jornalista, descobre o camarote onde ele estava e empurra ousadamente a porta. O repórter se apresenta e Anatole, gentil, diz: "Ah! Perdoai-me receber-vos assim... Mas uma súbita indisposição....". O escritor tem nas mãos o quarto volume de Grandeza e decadência de Roma, de Ferrero. Não dá qualquer declaração ao repórter. Diz apenas que sofria muito e em seguida, leva a mão esquerda à testa sorrindo e diz: "Vá-se embora". Como se vê, reação bem menos contundente que o nosso Fonseca. Mas, convenhamos, eram outros tempos!
Na manhã seguinte a mesma comissão de imortais que estivera a bordo convida Anatole a dar um passeio pelo Rio. Anatole aceita e depois é conduzido ao Hotel dos Estrangeiros, onde almoça e se encontra com Rui Barbosa, em seguida, conhece a Biblioteca Nacional e vê o raro exemplar da Bíblia de Gutenberg, jóia da instituição.
De regresso de Buenos Aires, a 22 de julho, aporta novamente no Rio e em 4 de agosto embarca para São Paulo. Em São Paulo, visita escolas, o Museu do Ipiranga, a Faculdade de Direito e instituições culturais. Em todos os lugares, nada de aparições performáticas. Seu Lys rouge e seu Thaïs já eram apreciados por todos.
Uma tarde, foi contemplar o panorama da cidade de um mirante em Higienópolis, num suave pôr-do-sol, quando acendiam as primeiras luzes. Mostrou-se encantado, deixando escapar: "Mais c'est beau!". Alfredo Pujol, que o acompanhava, teria lhe dito: "Como poderia achar bela a paisagem paulistana, depois do esplendor do Rio? Ao que o escritor respondera: "O Rio é grandioso, é bonito demais. Para o meu temperamento este é o tipo de paisagem que convém". Belos tempos aqueles em que não se precisava ficar recluso ou preso em um cubo para despertar o interesse do leitor. Talvez houvesse mais matéria, digo, mais contéudo, menos fotos, menos performances... Mas, enfim, bilu-bilu, é preciso nos atualizarmos!

Notas: Dados a partir de Brito Broca, A Vida Literária no Brasil 1900; caricatura Anatole France, de Lauro Ribeiro da Silva (Ribs), publicada no jornal A Tribuna, de Santos, na matéria Santos noutros Tempos, edição de 10 de maio de 1953 e caricatura de Anatole por Gustave Leroux.

Um comentário:

  1. Oi, Dirceu
    Também li matéria sobre Rubem Fonseca na Folha. Fico surpresa em ver um escritor deste porte se expor ao ridículo. Ele não perdia nada em continuar recluso. A Folha não precisa deste tipo de artfício para vender.Há muita coisa importante no campo da cultura em geral e da literatura em particular. Não precisamos destas bobagens.

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