Há
tempos, mesmo nas horas mortas quando cismo com as ideias, convivo com o Bruxo
de Cosme Velho. Talvez por essa razão tenha certo apreço pela arraia-miúda, a
notícia de rodapé negligenciada pela maioria. Nesse instante em que a folha em
branco se me impõe como horizonte diante dos olhos e as sinapses escorregam
pela memória, lembro-me sempre dos grandes ídolos. Até hoje, confesso, ainda
não havia vislumbrado Bob Dylan.
Mas,
assim como são os livros que nos escolhem e não nós a eles, o mesmo ocorre com
as notícias. Por isso, leitor, vou deixar os comentários que faria a seu
respeito para a próxima semana e tratar daquelas notícias ditas superiores.
As
últimas novas tratam da nobilitação de Bob Dylan. Sim, Bob Dylan foi agraciado
com o Nobel de Literatura. Por aqui, fomos condescendentes, ouvi uns e outros
delírios elevando ao reino da hipótese os nomes de Caetano Veloso e Chico
Buarque. É possível que se mostrassem fortes concorrentes, mas nosso marketing ainda
é restrito à nossa condição periférica.
Na
França não se deu a mesma coisa. Pierre Assouline - biógrafo e romancista,
recebedor do Goncourt e editor da Revista Lire
– esbravejou e disse que a literatura pode ser tudo, menos Bob Dylan. “Dylan,
um poeta?”, pergunta-se Assouline. Na melhor das hipóteses, afirma o acadêmico,
um letrista, para, logo em seguida, exasperar-se face à comparação sistemática
do músico a Rimbaud.
Mas
o fato é que Dylan foi nobilizado. E, para a turma do contra, a Secretária
Geral da Academia, Sara Danius, explicou a unanimidade que justificou a escolha
dos acadêmicos suecos: “Dylan criou novas expressões poéticas na grande
tradição da canção”, “Bob Dylan criou uma poesia para os ouvidos, que deve ser
declamada” e argumentou: “se pensarmos nos gregos antigos, em Safo, Homero, eles
também escreviam poesia para ser declamada, de preferência acompanhada com
instrumentos”. E assim atribuiu-se à
guitarra de Dylan uma gênese helênica que remonta seguramente a Lesbos antiga.
Polêmicas
à parte, especialistas afirmam que há tempos os americanos ressentiam a falta
de um Nobel, afinal, o último veio com Toni Morrison, em 1993. É provável que
tivessem em mente Philip Roth, Don DeLillo, Joyce Carol Oates, mas caiu-lhes no
ego o Dylan...
Mas
e Mr. Dylan? Afora as canções poéticas, escreveu algum livro? Sim, Bob escreveu
Tarântula (1966), publicado por aqui
em 1986, pela Brasiliense. E, mais recentemente, veio à luz Crônicas, Vol. I, sua autobiografia.
Talvez,
assim como eu, você não tenha lido nem um dos dois livros, mas, em algum
momento de sua breve existência tenha se deixado levar por Blowin’in the Wind ou The
Times They are a-changin’, verdadeiros hinos antiguerra, em particular a do
Vietnã, e dos movimentos civis da época, que muita gente por aqui dançou como
boa música romântica, sobretudo Blowin’.
Mas
não foi esse lado, digamos, pop, que
comoveu os acadêmicos suecos: Sara Danius, ao anunciar o prêmio afirmou que Bob
se inscreve numa tradição que remonta a William Blake, célebre poeta inglês,
morto em 1827, e citou as canções Visions
of Johanna e Chimes of Freedom.
Mas
e Mr. Dylan, o que acha disso tudo? Até agora, mistério. Apesar das várias
investidas, Mr. Dylan manteve-se mudo, não retornou os contatos de Sara Danius,
que, por sua vez, deu-se muito bem, pois emergiu do anonimato à condição de
celebridade mundial.
Belas
e poéticas canções, mas eu, caro leitor, quando me coloco a pensar, olho para a
montanha, lembro-me do profeta, pergunto-me de onde virá o socorro e, logo
depois, questiono não só a própria razão de existir da montanha, mas por quanto
tempo ainda ela existirá? The answer, my
friend, is blowin’ in the wind.
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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