Caríssimo leitor,
Você
merece toda a deferência. Por isso, antes mesmo que me apresente, desculpo-me
por tê-lo feito perder o foco. Digo isso de modo tão rebuscado, pincelado de um
respeitoso arcaísmo, porque estou certo de que muito provavelmente estivera
clicando aqui e ali, não à procura de garatujas literárias, mas sim à procura
de índices econômicos, as últimas notícias do esporte – incensado que foi até
há pouco pela mídia possuída de um nacionalismo quadrienal em busca de heróis e
medalhas que justifiquem os milhões gastos - ou as novas de nossa política
“torva e sanhuda”.
Perdoe-me.
Leitor machadiano contumaz, há muito fui picado pela tal da ironia; falando de
livros ou de jardins, sempre me ocorre querer ilustrar páginas e canteiros e
quando dou por mim já fiz uso da arma dos “céticos e desabusados”, adentrei o barro
humano e mudei o rumo da prosa.
Mas
voltemos à vaca fria! Não sabe o porquê da expressão? Pois vá lá: para os
franceses é revenons à nos moutons (voltemos
aos nossos carneiros), cuja origem está na obra medieval, A Farsa do mestre Pathelin. O dito é usado sempre que se quer
retornar ao assunto principal da conversa, interrompida por ruídos periféricos.
Como a vaca entrou nessa, não me pergunte, só estou certo de que a curiosidade
pode render uma boa conversa.
Voilà!
Esclareço as pistas deixadas: pesquisador, estudo a presença francesa no
Brasil, em especial na obra machadiana. Portanto, nas vezes em que encontrar um
ou outro galicismo perdido por entre as frases, veja-o como simples força do
hábito ou fruto de leituras quotidianas, jamais uma demonstração presunçosa de
erudição que ofenda a “última Flor do Lácio”.
Pois
bem, caro leitor, afora o que disse acima, sou afeito a contar histórias. Assim,
pretendo que falemos de livros, personagens, narrativas, escritas, autores,
leituras, etc. ... e leitores.
Não
por outra razão, em nossa próxima conversa penso em tratar um pouco de você
leitor. Afinal, o que fez de você um leitor? Aqui, em um exercício de
autoplágio (um dia já disse isso em outro texto), pergunto: em que medida você
foi movido pelo mais simples dos impulsos humanos, aquela curiosidade, aquela
tendência obscura pela bisbilhotice? De fato, isso é o que menos importa. O
certo é que nos apaixonamos por histórias inventadas, envolvemo-nos e, ainda
que como espectadores, participamos, vibramos e choramos o destino de
personagens que nunca existiram. E digo mais, chegamos mesmo a reescrever a
vida dessas figuras nos instantes em que preenchemos os espaços e os silêncios
que jazem nas entrelinhas à espera do leitor.
Ler
é desejo e é prazer. Dito isto, sequer pretendo retomar Barthes com seu célebre
O Prazer do texto, mas vale resgatar
Bellenger quando afirma que o leitor mantém uma relação fetichista com o livro.
Palavras, variações, organização, sentido, música, a beleza da frase e do
pensamento são constitutivos desse fetiche. Tudo isso junto e misturado nos
leva à leitura de um mundo que reúne Montaigne e Proust, Racine e Hugo, Lima
Barreto e Stendhal, Machado e Voltaire. E por aí vai...
Por
fim, despeço-me com um comentário de Jean-Paul Sartre:
"Comecei minha vida como hei de acabá-la,
sem dúvida: no meio dos livros."
Texto publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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