Há
um pequeno grande livro que constitui a base dos estudos de teoria literária: a
Poética, de Aristóteles. E está lá na
Poética: “A comédia é uma imitação de
caracteres inferiores, não contudo em toda a sua vileza, mas apenas na parte do
vício que é ridícula. O ridículo é um defeito e uma deformação nem dolorosa nem
destruidora [...]”.
Por
que exumar um filósofo do século IV a.C. nesse espaço dedicado ao frívolo? Ora,
simplesmente porque se recebe a influência do tempo e não se lhe impõe. E a
pantomima do Little Boy carioca, desde que veio à tona, ora teve ares de
dramalhão mexicano, ora de comédia barata - como dizemos aqui nos rincões -
sem, evidentemente, qualquer menção ao orçamento, mas à qualidade do mythos (enredo) - demasiadamente simples
- e à performance do protagonista.
E
já que navegamos por mares helênicos, por que não falar da catarse, acompanhada
de um sorriso desbragado, que inundou a alma dos brasileiros ao longo da
semana? Ainda não ligou os pontos, caro leitor? Pois vá lá uma ajudazinha: quem
dentre vós, ó mortais, não vistes nos telejornais Little Boy aos gritos esperneando
dentro de uma ambulância, acompanhado pelas carpideiras da família? Aquilo
confundiu os gêneros (falo dos literários: comédia, tragicomédia, dramalhão made in Mexico...) e os sentidos. Foi
tudo tão sinestésico!
Tudo
isso porque nosso herói confundiu as bandeiras públicas e particulares. Little
Boy recebeu a polícia logo no café da manhã por haver praticado o escambo. Coisas
de garotinho, brincadeira inocente de criança que, não se sabe bem o porquê,
lhe rendia uns trocados e algum poder.
Rosinha,
Ms. Little Boy - creio eu - contabilizava o vil metal, mas jura retidão, afirma
que seu deus não faz obras pela metade e credita tudo o que possui às bênçãos
do altíssimo. E mais: em consonância à regra geral das raposas pegas em assalto
aos galinheiros, alegou não saber de nada. Nunca soube, nem ela nem Little Boy;
mas o fato é que ele, espertinho, comprou votos fazendo uso dos tais chequinhos
e deu no que deu.
À
mesa, saudável, Little Boy sorvia o café e apreciava as ondas que se
desdobravam na orla carioca. Chegados os pretorianos, o pequeno cai doente.
Enquanto
a pègre aguarda dias para adentrar nos
hospitais públicos, Little Boy furou fila e teve direito a um quarto só para
ele, privilégio que raros convênios médicos oferecem. Não houve regalias,
afirma o hospital. O populacho depositado nos corredores hospitalares,
parece-me, tem opinião diversa.
O
juiz, ao saber do ocorrido, manda lá um democrático “publique-se e cumpra-se”. Os
pretorianos, mais uma vez, são encarregados da transferência de Little Boy do
hospital para o presídio. Little Boy, já em estado terminal, desperta
repentinamente: grita, esperneia, solta uma ou outra obscenidade e dá muito
trabalho ao pessoal da farda.
A
vileza de Little Boy não foi a doença fingida, mas sua má interpretação (ainda
que a vileza aqui difira daquelas tratadas da Retórica II). Tornou-se ridículo; inferior já o era, sabíamos todos,
mas sem espetáculo. Uma vez levado do quarto à ambulância Little Boy aprofundou-se
na exibição de seu caráter inferior conferindo clímax à comédia.
Como
coadjuvantes, meia dúzia de asseclas e as carpideiras da família. Estas não
pranteavam mortos, mas um ente querido à beira da sepultura que,
inacreditavelmente, opôs-se a cinco policiais, tamanha era a força das braçadas
e esperneios. A carpideira-mor, aos gritos de “meu marido não é bandido”,
clamava por justiça e pedia para ser levada junto.
Para
encerrar a prosa, penso que o pastelão do Little Boy, de vileza tal, só fez ridicularizar
sua já conhecida deformação de caráter. Nós, o povo, diante de uma ação de
natureza nada elevada, tivemos nosso momento de catarse às avessas e rimos muito!
E não condenem nosso riso, escolásticos, pois muitos choraram nos hospitais em
razão de uns e outros chequinhos desviados do erário por desprezíveis little
boys.
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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