A
imprensa ainda continua a ser o grande veículo do espírito moderno. O dito tornou-se
um dos aforismos machadianos; citá-lo não tem outro objetivo que o de evitar
interpretação errônea para o que trago nas entrelinhas.
Ainda
que a semana tenha sido turbulenta, o agente laranja presente no título não
surge como sinonímia do arremedo de maná lançado pelos americanos no reino de
Saigon, mas sim da Sarah Palin de calças. O resultado talvez seja o mesmo; caberá
ao futuro a cura das chagas. Por sua vez, Balzac e jornalismo, para quem já leu
ao menos Ilusões perdidas, têm
parentesco. Quanto a uma crônica que se dispõe leve, confesso, venho com assuntos
árduos, mas vá lá, não resisto a uns pitacos.
Eis
os fatos: até a meia-noite da última terça-feira, as previsões apontavam
vitória da candidata liberal, porém, somados os votos, quem levou a melhor foi
o representante dos conservadores, ainda que muitos dentre eles o tenham
abjurado. Terminado o grande show,
vieram os porquês.
Criaram-se
variadas teorias: da insatisfação com a globalização, ao desaparecimento da
classe média, o voto dos envergonhados... A imprensa, porém, tal como o
candidato eleito, recusou-se a desviar os olhos do próprio umbigo.
Nesse
ponto, volto a Machado que um dia também disse ser os jornalistas os maiores
mágicos, uma vez que iludem o público de maneira singular. Cadquê? Ora, há muito, não só nos Estados Unidos, mas sobretudo em
terras tupiniquins, trava-se verdadeira luta entre a informação e a opinião.
Não
há como negar que a história da imprensa está ligada à própria história do
desenvolvimento da sociedade capitalista. Não por outra razão, Balzac, usa o
termo máquina ao referir-se à imprensa (“Vous avez vu les rouages de la
machine” - Vocês viram a engrenagem desta máquina)1. Ao desmontar as
peças que a compõem, nota-se, de pronto, uma instância onde reina clara divisão
de trabalho; a hierarquia sobrepondo-se ao pessoal, estrutura que reproduz o habitat urbano da época.
A
imprensa é o reino da impostura e seu poder é deletério. Polêmico e
contundente, não? Pois é dessa forma que, em Monographie de
la presse parisienne (1843), o romancista se
refere à imprensa. Escarafunchando
ainda mais os pinos e parafusos desse mecanismo, não há como não lhe dar razão.
Tome a Monographie, deslize os olhos
linhas abaixo e veja Balzac traçar um julgamento severo sobre uma máquina que,
longe de pretender informar e educar – como ela o aspira -, atua para ganhar
dinheiro e poder.
Isso
explica muito das previsões eleitorais (brasileiras e americanas) do último
mês. Até mesmo porque, afirma Balzac, “para o jornalista, tudo o que é
provável, é verdadeiro”. Desse modo, videntes-visionários vislumbram em que
mãos estará o poder, mas não desconfiam é que talvez não passem de meros reprodutores
de desejos e interesses, em consonância à hierarquia.
Nessa
lógica, vale contrapor a figura mítica do jornalista (com uma significação
antiga, é claro) ao moderno homem de imprensa. Antes, orbitando uma imprensa
ainda artesanal, de tecnologia e distribuição rudimentares, vivia da opinião -
sua e de seus leitores -, a quem buscava servir.
Hoje,
com o arrefecimento do intermediário especializado (escritório ou agências de
notícias, de proporções gigantescas) que produz, organiza e distribui a
notícia, o jornalista viu-se relativizado, papagueando interesses de grandes
grupos corporativos (na maioria, pertencentes a famílias proprietárias de
jornal, revista, rádio, TV, portais, sites, etc.).
Nem
só de críticas à imprensa vivia Balzac, mas de certa ambivalência e simpatia,
como se pode depreender nas lições de Blondet, em Ilusões perdidas: « [...] cada ideia tem seu verso e reverso
[...] Tudo é bilateral no domínio do pensamento. »
Hoje,
enquanto jornalistas de bancadas mostram-se boquiabertos e esboçam teorias
conspiratórias diante da vitória de Trump, talvez devessem se perguntar o
porquê de a imprensa não mais se ater a noticiar fatos e interpretá-los, mas
sim dedicar-se à venda de ideias e produtos - como afirma um amigo. Balzac, lá
nos idos do XIX já mostrava o dinheiro por trás da ideologia lisonjeira de
fachada. George Soros está aí e não me deixa mentir.
Nessa
lógica, levando-se em conta a análise que o grande romancista deita sobre a
imprensa, confirma-se o universo mental do jornal como o reino da verdade relativa,
do falso jornalístico e da mentira industrial e política. Mas trabalhemos com
as exceções, até mesmo porque elas só são odiosas aos outros.
Por
fim, as previsões eleitorais não confirmadas pouco importam, afinal, muita
gente sã creu em Mãe Dinah e deu no que deu.
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
1. La Grande
Ville. Nouveau Tableau de Paris, comique, critique et philosophique, par H. de Balzac, Alex. Dumas, Frédéric Soulié, Eugène
Briffault, Eugène de Mirecourt, Édouard Ourliac, Marc Fournier, L. Couillhac,
Albert Cler, Charles Ballard, le comte Charles de Villedot. Paris : au
Bureau des publications nouvelles, 1843.
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