La barbe! Hiperbólicas,
as manchetes dos jornais e sites de
notícias, às vezes, não produzem o efeito desejado e cansam o leitor. Polêmica,
a personagem que protagonizou o obituário da semana polariza opiniões, embota
os espíritos e me faz tomar o ensaio de Adorno por Evangelho.
“Vigiai
pois” alertava o profeta; contudo, o filósofo nos recomenda vigilância aos
conceitos já corrompidos pelo uso. A crítica, no caso, deve apontar o malogro
daquela ideologia que precisamos para viver, visto que toda ela - ou todas elas
- é inverdade, falsa consciência e mentira. Talvez esteja aí a razão de eu não mais
me surpreender com a intelligentsia
silenciosa aos feitos heroicos de grandes líderes, sobretudo quando estes envolvem
paredões e valas comuns. Digo isso por dizer, mas, lá no fundo, o ruído desse
silêncio continua a me incomodar.
Folheando
livros, vejo a página mas não enxergo a escrita. Dependo da memória que,
providencial, traz-me ao espírito Giambattista Vico. Profeta, Vico postulou um
ciclo composto por três fases: teocrática, aristocrática e democrática; após esta
última predisse o caos. Vivemos o caos, meu amigo. Contudo, manso leitor, se
deitares os olhos em direção à capital, viverás a dúvida, porque verás que tua
alma hesitará entre o circo e o presídio à espera de que alguém escolha a lona
ou a grade.
Perdoem-me
a escorregadela pela politicalha. Ocupemo-nos de livros. Há tempos participei
de uma palestra com Pierre Rivas. A conversa girava em torno da decadência da
cultura francesa, o que foi prontamente negado por Rivas. Não bastasse isso, o
professor disparou contra o provincianismo americano e questionou a ousadia de
eles levarem tal discussão às páginas da Time.
Conversa vai, conversa vem, Rivas reitera o que todo mundo já sabia: para a
crítica francesa, escritor que vende é maldito, é algo suspeito. A prosa
continua, certo farisaísmo vem à tona, e Rivas o credita aos yankees. Tupiniquim: ouvi, refleti,
ponderei.
Tudo
isso porque hoje não me escapou uma arraia-miúda trazida por um site páginas e páginas em scroll-down (acho que antes dizíamos rodapé ou rez-de-chaussée): “Clássico da literatura, ‘O Pequeno Príncipe”,
inspira aniversário de 1 ano”. É certo que ao dizer aquilo Rivas jamais pensara
em Exupéry. Daí o risco das generalizações, haja vista o diabo morar não só nos
detalhes, mas também nas exceções.
Também
houve um tempo em que a obra de Exupéry era o livro de cabeceira das misses.
Sim, aquelas que, entrevistadas, não só diziam almejar a paz mundial, mas declaravam
ser O Pequeno Príncipe seu livro
preferido. Face a essa predileção, parte da crítica e do grande público
relativizou a obra de Exupéry.
Lançado
em 1943, O Pequeno Príncipe é ainda o
segundo livro mais traduzido no mundo - só perde para a Bíblia. Há pouco, em domínio
público, tornou-se a iguaria das editoras. Traduções de traduções apareceram às
tantas. Mas isso é coisa do mercado livreiro. O mercado da literatura quase
sempre independe - ou ignora - a intelligentsia.
Magoada, talvez, esta sempre o rotulou O
Pequeno como autoajuda. Mas o fato é que a obra é plena de robustas metáforas.
Tome-se o diálogo entre o menino e a serpente e eis que intertextualmente
mergulhamos no Novo Testamento.
A
crítica estrangeira, contudo, tratou-o respeitosamente. Em resenha para o New York Harold Tribune, em 1943, P. L.
Travers, autora de Mary Poppins,
talvez tenha sido uma das primeiras a reconhecer o valor literário da obra. A
crítica também se ateve à qualidade e à delicadeza das aquarelas, outro talento
do autor. Muitos chegaram à conclusão de que não se tratava de uma obra
destinada à crianças, mas a adultos, tal a sua complexidade.
Na
Europa, a obra foi vista como alegoria da guerra que a consumia. Remando contra
a maré, Heidegger, ao referir-se ao livro, tratou-o como o seu “livro
favorito”. Ainda, outros críticos viram nele traços existencialistas ao
justapô-lo ao Estrangeiro, de Camus.
O
universo de Exupéry, quando transposto a uma festa de criança, deve funcionar
muito bem, senão não o fariam, mas isso só prova duas coisas: Rivas estava
errado ao menosprezar os best-sellers e
o dito de Harold Bloom se faz ainda mais atual: “tornou-se cada vez mais
difícil ler em profundidade à medida que este século envelhece”.
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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