A semana
foi de obituários - assim como a anterior. Tânato, cioso de sua reputação, terminou
o que havia começado. Não que eu acredite na finitude de seu trabalho, mas, quando
se vai um poeta, pensamos que nada mais resta além de nós e a página em branco à
espera de versos, estrofes, rimas, sonetos...
Ágil,
a foice ceifou almas. A mídia ignorou o poeta, fez heróis outros e embalou-nos
a todos com o espetáculo da morte. Jornalistas e apresentadores de televisão
narraram o deslocamento de caixões, o choro do populacho e, voz embargada,
apagaram o drama dos vivos levando-nos à cova. Esquecemos Brasília e fizemos de
Chapecó a capital da “sofrência”, uma vez que nos obrigaram a uma carência
imerecida, ao menos para a parte do país não afeita aos gramados.
Mas
falemos de livros. Há pouco foram anunciados os vencedores do Prêmio Jabuti. Hoje,
talvez, o mais importante no cenário brasileiro. Dos três primeiros vencedores,
não li nenhum. Vi que Julián Fuks levou o primeiro lugar com A Resistência. Penso que deve ser um bom
autor, pois anteriormente já emplacara dois outros títulos como finalistas do
Prêmio.
Desde
2012, o Jabuti me traz à memória o jurado “C”. Sim, aquele que, corajoso,
peitou a intelligentsia e disse que o
sistema literário brasileiro está doente. Na época, depois do chororô de uma
autora, Rodrigo Gurgel concedeu uma entrevista bastante elucidativa à Folha de São Paulo, em que comentava um
pouco da estrutura literário-editorial vigente no país.
Curioseei
os finalistas do Jabuti com base nos comentários de Gurgel, o jurado “C”, sobretudo
quando este ressalta que hoje tem-se escritos livros bastante retóricos, cuja principal
preocupação é a forma. “C” divide, portanto, os autores em duas tribos: os
estruturalistas e os desconstrucionistas. Assim, afirma, hoje não se escreve para
leitores, mas para agradar amigos, professores de teoria literária e críticos.
Por
essas e outras, gosto de histórias. Gosto de ler a obra antes da crítica. Gosto
de ouvir, contar e ler histórias. Ao rabiscar essas garatujas, corri os olhos
pela estante e dei de cara com A Amiga
genial, de Elena Ferrante. A identidade da autora em si já é uma boa
história para se contar.
Elena
Ferrante é o pseudônimo de uma escritora italiana. Ferrante concede poucas
entrevistas e nunca se mostrou em público. O que diz é através de sua editora e
por e-mails. Neles, explica que optou
pelo anonimato para que o público não seja influenciado por sua imagem e,
principalmente, para que possa escrever com liberdade.
Especula-se
que tenha nascido em Nápoles, por volta de 1943, dadas as pistas colhidas em
suas obras. O que se sabe - também a partir de suas obras -, é que conhece bem
os clássicos gregos e latinos. Isso é tudo!
Para
o leitor, contudo, esse mistério pouco importa! O que vale são as deliciosas
trezentas e poucas páginas de A Amiga genial, primeiro livro da chamada
série napolitana (no total: 4 volumes). A história de Ferrante dialoga com a
realidade, é harmônica, vigorosa, e traz certo lirismo que encanta o leitor. A
mesmice e o discurso politicamente correto, muitas vezes nada convincente,
passa ao largo da obra de Ferrante.
O
que você vai ler é a história de duas meninas - Lila Cerullo e Elena Greco -
que nascem e crescem no subúrbio de Nápoles, ainda sob os resquícios da segunda
Grande Guerra. No bairro em que moram o trabalho parece definir os moradores,
de modo a constituir-se num microcosmo da sociedade. A modernidade pulsante do
pós-guerra define essa Nápoles em movimento, onde o velho e o novo, o local e o
universal, o grego e o latino se acotovelam quotidianamente.
Nesse
cenário, a vida das duas amigas ganha em densidade e, tal como nos colocamos
defronte a um espelho, uma olha para a outra e se depara com a oscilação
inapreensível e incômoda de fragilidade e força que se deslocam entre esses
dois seres amigos. Postas à prova à medida que os anos passam, inteligência,
beleza e sexualidade são submetidas a um duelo constante, misto de admiração,
afeto, repulsa, inveja, intimidação e outras emoções sumamente humanas.
A
escrita robusta, crua e visceral de Elena Ferrante é uma daquelas razões que
nos levam a ler romances. Afinal, para se ler um romance é preciso se dispor a
um ritual, dedicar-lhe horas de leitura, pois o que se acha ali não se encontra
em filmes ou mesmo nas quinquilharias eletrônicas.
Por
fim - e como já disse antes -, ler é sonhar pelas mãos de outrem. Por isso
sugiro que você, leitor, deixe-se levar pelas mãos de Ferrante, que nos propõe
uma leitura plural sobre a vida, desobrigada das ideologias sub-reptícias nas
entrelinhas. A Amiga genial é sim uma
história apaixonante que faz jus ao gênero romance, essa metamorfose ambulante
em constante mutação, cujos saberes insistem em trazer o menos científico dos
discursos, por mais que a ele queiram atribuir pensadas e impensadas ambições
científicas. A Amiga genial é
daquelas obras que enlevam o espírito, ainda que efemeramente, visto que a
realidade, providencial, nos desperta - sempre.
Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/
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